Título: O brasileiro recordista na Antártida
Autor: Balazina, Afra
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2011, Vida, p. A26

Técnico do Inpe participou de 20 expedições, viveu na base momentos dramáticos, como um enfarte, e detectou mudanças ambientais

Armando Hadano, de 53 anos, é o brasileiro que mais tempo passou na base brasileira de pesquisas na Antártida, na estação chamada de Comandante Ferraz. E também o que vivenciou uma das situações mais críticas no local: teve um ataque cardíaco na última vez em que esteve na base.

O técnico em eletrônica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) estava na primeira expedição oficial que o País fez ao continente gelado no verão de 1982 e 1983, com o navio oceanográfico Barão de Tefé. Nesta época, o Brasil ainda não tinha uma estação no local.

Desde então, ele esteve 20 vezes na região, várias delas no inverno, e passou muitos aniversários na base - sempre com direito a bolo e festa.

Ao longo das visitas, em que participava de pesquisas sobre os fenômenos naturais ligados à ionosfera - camada da atmosfera por onde circulam as chamadas ondas de rádio de baixa frequência -, Hadano foi testemunha das mudanças ambientais na Baía do Almirantado, na Ilha Rei George, onde fica a estação, bem como das melhorias de infraestrutura na base brasileira.

Ele notou, por exemplo, que a quantidade de gelo diminuiu. "Em alguns lugares a gente chegava a encostar no gelo, mas hoje não o vemos mais", diz. Também percebeu uma redução grande no número de pinguins.

Na base, observava diferentes espécies - foca, baleia, elefante-marinho e muitas aves. Fez belas imagens (como as que ilustram esta página), mas nunca presenciou acidente com animais. "Seguíamos normas de segurança. Não podíamos ir para longe da estação e marcávamos num quadro o horário de saída e o possível horário de retorno."

Em seu primeiro inverno na base, a comunicação com a família era feita via rádio, e outra pessoa intermediava a conversa - não havia muita privacidade. "Podia mandar, no máximo, um beijinho", brinca. Hoje, as instalações são mais confortáveis. "Há acesso à internet banda larga e existe um telefone fixo com um número do Rio para onde as pessoas podem ligar. É quase como se estivéssemos no Brasil."

Ele não tem reclamações da alimentação, que era o mais próximo possível da comida brasileira, mas ressalta que era "raro ter frutas, legumes e verduras".

Grande susto. Para integrar as equipes brasileiras na Antártida é preciso se submeter a uma bateria de exames médicos bastante rigorosos. O objetivo, destaca a Marinha, é "evitar que essas pessoas (...) sejam portadoras de problemas de saúde que possam significar risco para suas vidas".

Hadano realizou os exames. Mesmo assim, sofreu um enfarte em novembro de 2008, quando estava na base. Apesar do susto, ele acredita ter enfartado "na hora certa e no local certo", pois tudo conspirou para que "fosse resgatado imediatamente".

Hadano passou mal pela primeira vez durante o deslocamento diário, de cerca de 400 metros, que fazia da estação até um módulo de pesquisas. "Senti um certo desconforto físico, cansaço, falta de ar e um pouco de dor no tórax. Eu me sentava nas pedras por alguns minutos e tudo voltava ao normal", lembra. No dia seguinte, a estação receberia a visita do navio Ary Rongel e um helicóptero traria o almirante da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar.

"No outro dia senti o mesmo desconforto e, mesmo descansando, não passava. Falei com a médica da estação, que pelos primeiros exames desconfiou de enfarte. Como a base não possuía o kit para exames de sangue que detecta a enzima que sinaliza o enfarte, ela solicitou que eu fosse levado para a base chilena", diz. Felizmente, havia o helicóptero para levá-lo até lá.

Após os exames, Hadano foi transferido rapidamente para o Chile. "No mesmo dia, um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) estava na base chilena, e fui levado para o Hospital Naval em Punta Arenas, onde foram realizados exames e procedimentos médicos." Ficou uma semana no hospital. A Marinha deslocou uma cardiologista do Brasil para Punta Arenas, que o acompanhou na volta para o Rio. Já no País, foi feita uma angioplastia e uma ponte de safena. Apesar do susto, ele garante que faria tudo de novo. "Valeu a pena."

A situação mais difícil para ele, porém, envolveu outra pessoa. Um colega sofreu uma queda num morro e chegou a ficar em coma. Mas a história também não teve fim trágico - o homem sobreviveu, se recuperou e voltou para a base em outra ocasião.

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