Título: O destino grego
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2011, Economia, p. B12

Por uma diferença de cinco votos, o Parlamento grego salvou a Grécia, o euro e a Europa. Os deputados gregos aprovaram o segundo plano de austeridade do socialista George Papandreou. Claro, nas ruas de Atenas, na Praça Sintagma, muitos gritos, muita tosse por causa do gás lacrimogêneo, muito trabalho para os policiais, butiques e carros incendiados.

Mas quando os revoltosos foram, enfim, dormir, a Europa suspirou aliviada. Salva! O problema é que, há quase dois anos, a Grécia vem sendo salva o tempo todo e esse salvamento deverá continuar. Um processo ininterrupto.

É o caso agora. O voto conseguido por Papandreou só terá valor se o plano de austeridade for aplicado. Ora, ele é extremamente duro.

Excessivo, dizem alguns. Cruel. A Grécia tem duas opções, dizem as pessoas nas ruas: ou não implementa esse plano feroz e naufraga, ou aplica e definha, se não acabar perecendo.

O que enfurece os gregos é que o castigo que deve salvá-los foi imposto não por eles, mas por potências estrangeiras - a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Uma outra inquietação: um primeiro plano de austeridade foi decidido pelos gregos há um ano sob a pressão dos mesmos organismos que emprestaram uma centena de bilhões de euros para o país. Ora, um ano depois e nada mudou.

A dívida continua aumentando e a produção, asfixiada pelo rigor desumano, não decolou, se bem que o país não fez nada para reativar a economia. Em consequência, o socorro fornecido agora está destinado ao mesmo fracasso que o do ano passado e, em alguns meses, a Grécia precisará recorrer de novo aos seus salvadores, seus aparelhos respiratórios e seus remédios mortais.

Então, devemos nos desesperar? Abandonar o país? Repensar a União Europeia e a zona do euro?

Na verdade, devemos reconhecer que o infortúnio da Grécia está muito ligado à existência do euro.

Como integrante da zona do euro, ela está impedida de desvalorizar a moeda, que seria o recurso natural para se desafogar. O país, assim, vê-se obrigado a se livrar dos problemas com uma moeda que, segundo os institutos internacionais mais sérios (como o FMI) é 30% a 40% supervalorizada em relação à economia grega.

Como sair disso? É caso então de pensar ou no abandono do euro pela Grécia ou no abandono do próprio euro?

Raros são os responsáveis sérios, políticos ou econômicos a recomendar soluções tão drásticas. No entanto, há algumas semanas, algumas ideias iconoclastas vêm sendo expressadas.

O jornal francês Figaro publicou na semana passada um artigo assinado por três figuras de prestígio: Gérard Lafay, Jacques Sapir e Phillippe Villin (professores e pessoas do alto escalão universitário) com este título impensável: "Abandonar o euro para salvar os europeus".

São vários os argumentos apresentados por eles: as divergências (inflação, crescimento, produtividade no trabalho) são tão gigantescas entre os membros da zona do euro que, na ausência de uma "integração política", estabelecer uma moeda única foi uma loucura. Resultado: o euro revelou-se um desastre para os países situados fora da zona renana (zona alemã).

"Longe de nos proteger da crise, o euro acentuou-a. As taxas de juro da dívida pública, em vez de convergirem, como os inventores do euro prometeram, divergiram, de modo que as taxas de juro pagas pelos Estados asfixiam as economias do sul da Europa."

Os três autores não têm contemplação. "O euro está prestes a morrer: é preciso acabar logo com ele para salvar os europeus." E continuam: "Hoje a taxa de câmbio do euro custa à França 2% de crescimento".

"Imaginemos o que representaria para nossa economia um crescimento de 3,5% em vez de 1,5%. O euro não tem futuro. Devemos abandoná-lo rapidamente. Assim forneceremos milhões àqueles franceses que a política atual condenou à miséria a esperança de uma vida melhor".

E vão mais longe. "O fim do euro vai permitir que repensemos a coordenação monetária entre os Estados. Sobre as ruínas do euro, será possível conceber uma moeda comum que permita aos países a possibilidade de desvalorizar, o que constituiria uma muralha contra as desordens das finanças mundiais".

A crise grega terá pelo menos o mérito de lembrar aos Estados a estreita solidariedade que os uniu - para o melhor quando o céu está claro, para o desastre quando a tempestade surge. Hoje, toda a Europa está em pânico, temendo um "contágio". E esse contágio é consequência do cruzamento de todas as economias. Todos os países estão ligados. Os mercados estão abertos.

Ora, quanto mais abertos mais as conexões são numerosas e o contágio se transmite mais facilmente. Um e-mail enviado por um investidor ao seu banqueiro é o suficiente para pôr em movimento um enorme volume de capital. A doença do euro se transmite de um lado através dos bancos, pois essas instituições (alemãs, francesas) têm um enorme portfólio de títulos podres vindos da Grécia, mas também da Espanha, Portugal, Irlanda. E um desastre em Atenas poderá contaminar os poderosos sistemas bancários de Frankfurt ou de Paris.

Há um segundo efeito perverso: os grandes investidores, que têm a mania de especular em cima dos fracos, pensam sempre adiantado. Claro, hoje é o odor putrefato da Grécia que regala suas narinas. Mas eles já sonham com futuro, imaginando quem será sua próxima caça. E as agências de classificação lhes oferecem uma boa, amanhã: Moody"s, Standard & Poor"s já voltam os olhos para a Itália, cuja nota rebaixaram.

Essas agências são curiosas: há dois anos fizeram um enorme erro de previsão sobre o mercado hipotecário americano, não vendo problemas a surgir, o que agravou a catástrofe bancária. Essa falha grave ainda as atormenta. Elas agora tentam se redimir e atacam o elo fraco que, a partir de agora, é a Europa.

Não devemos jurar que a enfermidade não pode sair da Europa. Alguns pensam que mesmo os Estados Unidos estão vulneráveis. Em 12 de agosto, o teto da dívida pública autorizado pela lei, de US$ 14,3 trilhões, será atingido. Até essa data será absolutamente necessário que o Congresso vote uma nova lei para aumentar esse limite. Senão, o Tesouro americano estará tecnicamente insolvente.

E depois há a China. O que, a China? A riquíssima China? Aquela que é rica como Creso? Aquela que comprou o Porto de Atenas, que sustenta os déficits americanos, que está por todo lado? Sim, a China é tudo isso.

Mas também ela registra uma inflação galopante. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO