Título: Socorro à Grécia impõe limites de soberania ao país
Autor: Silva, Cleide
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/07/2011, Economia, p. B8

Estrangeiros vão liderar programa de privatização para arrecadar 50 bilhões de euros até 2015;[br]União Europeia recomenda medidas imediatas para reduzir o déficit nacional

A União Europeia (UE) resgatou no fim de semana a Grécia, pelo menos por alguns meses. Mas agora admite: a soberania do país será amplamente limitada diante das exigências que foram impostas sobre o governo de Atenas.

Em declarações no fim de semana, autoridades europeias deixaram claro que a intervenção sobre a Grécia será total e que Atenas será tratada de forma equivalente ao que a Alemanha Oriental passou quando o comunismo caiu e a região integrou-se à Alemanha Ocidental há 20 anos.

"A soberania grega será massivamente limitada", afirmou o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean Claude Juncker, presidente da zona do euro. Suas declarações à revista alemã Focus deram o tom da forma pela qual Bruxelas irá lidar com a Grécia a partir de agora.

Para Juncker, os gregos devem se preparar para ver estrangeiros tomar decisões sobre o futuro de sua economia, principalmente no programa de privatização que tem como meta arrecadar 50 bilhões até 2015 com a venda de ativos e empresas.

Juncker estima que a desestatização da Grécia será equivalente ao ocorrido com países do Leste Europeu depois da queda do comunismo. Atenas venderá 39 aeroportos, 850 portos, linhas férreas, estradas, sistemas de esgoto, duas empresas de energia, bancos, milhares de hectares de terras, cassino, a loteria nacional e até o estádio olímpico.

Para garantir que as medidas sejam implementadas, Juncker revelou que especialistas estrangeiros serão enviados para Atenas para liderar a venda dos ativos do Estado.

O programa imposto à Grécia será similar ao que a agência Treuhand estabeleceu para a Alemanha Oriental a partir de 1990. Por quatro anos, a agência conseguiu vender 14 mil empresas do país comunista. O modelo de privatização foi uma imposição principalmente de Berlim, que se queixa de ter de pagar pelos erros do país do sul. No sábado, a presidência da UE, a Polônia, alertou para a fratura cada vez mais profunda que a crise está gerando entre o sul da Europa e os países do norte, mais ricos.

Ontem, Juncker também alertou para o risco de não permitir que os gregos se sintam ofendidos. "Não se pode insultar os gregos. Mas temos de ajudá-los".

Pacote. A UE adiou para setembro a definição sobre um pacote de resgate que possa dar solução definitiva para a Grécia. No fim de semana, uma parcela de 12 bilhões foi liberada aos gregos. A UE quer garantias de que as medidas de austeridade aprovadas na Grécia serão cumpridas.

A UE também admitiu que o caos social interno na Grécia, diante dos cortes de salários, deve ser um obstáculo. Mas alerta que, se nada for feito, o déficit atual de 160% do PIB chegaria a 170% em 2020.

Pela primeira vez, a UE falou abertamente em uma restruturação da dívida grega, o que representaria desvalorização dos papéis da dívida do país. Na prática, poderia ter efeitos devastadores para os bancos gregos.

Na Alemanha, o ministro de Finanças, Wolfgang Schäuble, apelou ontem para que os gregos comecem a adotar sem demora reformas para reduzir o déficit nacional, principalmente no que se refere às privatizações. Mas admitiu, pela primeira vez, que Berlim tomou medidas preventivas para uma eventual quebra da Grécia.

"A Europa deve estar disposta com mais força que até agora a apoiar a Grécia para gerar crescimento", acrescentou Schäuble.