Título: Índia começa a desacelerar
Autor: Denyer, Simon
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2011, Economia, p. B10

O boom econômico da Índia, forte o bastante para resistir à crise financeira global, está começando a enfraquecer, sofrendo com o peso de uma persistente e elevada inflação e as consequências de anos de paralisia política, de acordo com economistas e líderes empresariais.

Numa sequência de fatos que espelha eventos ocorridos na potência asiática vizinha, a China, a alta nos preços obrigou o governo indiano a promover uma política monetária cada vez mais rígida. Há 15 dias, os juros foram aumentados pela décima vez num período de 16 meses.

Mas os líderes do empresariado não estão satisfeitos. Eles dizem que o remédio pode estar agravando ainda mais a situação econômica.

Boa parte da inflação na Índia decorre do aumento nos preços do petróleo e dos alimentos, fatores que não são muito afetados pela elevação dos juros. Em vez de recorrer ao banco central, dizem os analistas, o governo precisa promover o tipo de reforma e o investimento agrícola, mencionados há anos.

"As políticas do governo devem se concentrar numa melhoria da produtividade agrícola, mas, como isso não tem ocorrido, o fardo recai cada vez mais sobre a política monetária", disse Sanjay Mathur, economista especializado nos mercados emergentes da Ásia a serviço do Royal Bank of Scotland, em Cingapura. "Consequentemente, alguns setores que não deveriam ser afetados estão sendo prejudicados." Isso significa que o crescimento pode voltar à casa dos 7%, alertam alguns economistas, mantendo-se à frente de todas as demais grandes economias com exceção da chinesa, mas ainda abaixo do potencial da Índia - e daquilo que o país precisa produzir se tiver como objetivo tirar da pobreza centenas de milhões de pessoas.

"Não há sentido em substituir uma política equivocada por outra tão ruim quanto a anterior", disse Surjit Bhalla, presidente da Oxus Investments. "Quando o paciente está mal, é melhor não aplicar outro pontapé nele." No início dos anos 1990, o governo da Índia aprovou várias reformas econômicas que libertaram o setor privado e criaram os alicerces para duas décadas de crescimento sólido. Esse crescimento propiciou também um aumento na renda, uma expansão da classe média e uma transformação nos padrões de alimentação. Os indianos não são mais exclusivamente dependentes do arroz, das lentilhas e dos grãos. Agora, eles estão consumindo mais legumes, frutas, ovos, carne e peixe.

A agricultura local não acompanhou este ritmo. Os agricultores cultivam a mistura errada de tipos de safra, e cerca de 40% da produção é desperdiçada antes de chegar ao mercado por causa do erros constantes na distribuição, no armazenamento e nos sistemas de refrigeração.

Soma-se a esse quadro um padrão de emprego rural que aumentou muito a renda e o apetite da parcela mais pobre da população indiana, além de um inchaço demográfico entre as famintas bocas de 15 a 24 anos. Assim, não surpreende que o preço dos alimentos esteja aumentando ano após ano.

Isso, por sua vez, levou a um aumento nos salários, enquanto a produção de matérias-primas como o carvão, o minério e o algodão também tenta atender à demanda. A inflação chegou a 9,1% em maio e o banco central anunciou a previsão de que ela se manterá alta até setembro, no mínimo.

Para forçar uma redução no preço dos alimentos, o governo precisa promover a horticultura e revolucionar a comercialização e a distribuição dos produtos agrícolas, dizem os economistas. Também seria de grande valia permitir que empresas estrangeiras - como Walmart - instalem supermercados na Índia e invistam em sistemas de armazenamento e refrigeração, uma meta há muito anunciada, mas ainda não cumprida.

Investimentos na infraestrutura e na produção de matérias-primas, além de uma nova legislação facilitando a compra de terras produtivas para o uso industrial, poderiam ajudar na superação de alguns dos gargalos de fornecimento que levam à alta dos preços.

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico sublinhou na semana passada a necessidade de um novo conjunto de reformas na Índia para incentivar o crescimento, e ninguém nos Ministérios das Finanças e do Planejamento pareceu discordar. O problema está na sua implementação.

A crescente fragmentação dentro da política indiana no decorrer das duas últimas décadas significou que nenhum partido consegue, agora, governar sozinho, dependendo de parceiros regionais - muitos deles dotados de pautas populistas - para formar coalizões.

"A composição do Parlamento é tal que as tarefas urgentes que precisam ser tratadas com prioridade simplesmente não recebem atenção", disse D. H. Pai Panandiker, presidente da Fundação RPG, um centro de estudos estratégicos. "A reforma é muito necessária. Isso já era esperado, mas é pequena a probabilidade de se tornar realidade num futuro próximo."

Outros responsabilizam o primeiro-ministro Mammohan Singh por sua falta de visão e capacidade de liderança. A coalizão do governo tem transmitido uma aparência de paralisia, cercada por acusações de corrupção e por não ter tratado das reformas prometidas.

Os juros mais altos estão sufocando os tão necessários investimentos, que apresentaram variação quase insignificante no primeiro trimestre deste ano e cresceram apenas 4,1% no período de um ano, enquanto o crescimento econômico geral chegou aos 7,8%.

O mercado de ações está em queda - os papéis perderam mais de 14% do seu valor este ano, o que faz da Índia o mercado de pior desempenho em toda a Ásia. Isso, por sua vez, torna mais difícil para que as empresas arrecadem o capital de que necessitam para investir.

Os juros para empréstimos de longo prazo, na casa dos 8%, estão entre os mais altos do mundo, de acordo com Bhalla, que classificou como exagero as medidas de aperto monetário aprovadas na semana passada.

"Há importantes reformas que são muito necessárias", disse Kaushik Basu, conselheiro econômico chefe do Ministério das Finanças. "Houve (no período de 1991 a 1993) um considerável acúmulo de reformas que foram implementadas naquele momento, e há agora um pequeno acúmulo de reformas que precisam ser implementadas. Acredito que devemos promovê-las."

Basu disse esperar que o crescimento perca força no curto prazo e que a inflação recue, o que permitirá ao governo redirecionar o foco para o crescimento no longo prazo. Mas Mathur, do RBS, disse que medidas mais enérgicas do governo poderiam levar a uma "mistura diferente de crescimento e inflação".

"Na ausência de uma reforma", disse ele, "o risco é que o crescimento econômico se aproxime dos 7%, número que, levando-se em consideração os juros e o aumento na força de trabalho no país, seria bastante patético". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL