Título: Adeus ao euro?
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2011, Economia, p. B14

"Não é o euro que está em perigo, mas as finanças públicas de países europeus individualmente." Ouve-se isso por toda parte, mas não é verdade. O próprio euro está em risco porque, nos últimos anos, os países em crise vêm rodando além da conta as impressoras de dinheiro na zona do euro.

Cerca de 90% da dívida de refinanciamento que os bancos comerciais de Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha têm com seus respectivos bancos centrais serviram para comprar bens e ativos de outros países da zona do euro. Dois terços de todos os empréstimos para refinanciamento dentro da zona do euro foram concedidos dentro desses países (que têm sido chamados de Pigs).

No fim de 2010, os empréstimos do Banco Central Europeu (BCE), que se originaram principalmente do Bundesbank (banco central) da Alemanha, alcançavam 340 bilhões. O programa de salvamento do BCE permitiu que a população de países periféricos continuassem vivendo acima de suas posses, e os possuidores abonados de ativos levassem sua riqueza para fora.

A capacidade de continuar com essa política em breve se esgotará à medida que o dinheiro de bancos centrais que flui dos Pigs para os países centrais da zona do euro expulsar cada vez mais o dinheiro criado pelas operações de refinanciamento por lá. Se isso continuar por mais dois anos como nos três últimos, o estoque de empréstimos para refinanciamento na Alemanha desaparecerá totalmente.

Os enormes déficits em conta corrente dos Pigs - e o êxodo maciço de capitais da Irlanda, em particular - não teriam sido possíveis sem o financiamento do BCE. Sem o dinheiro adicional que os bancos centrais dos Pigs criaram além dos requisitos de circulação interna de seus países, os déficits comerciais não poderiam ter sido sustentados, e os bancos comerciais desses países seriam incapazes de aumentar os preços de ativos (que com muita frequência eram os de bônus do governo).

No ano passado, com o BCE ficando sem ferramentas para evitar que os bancos em dificuldade da Europa precipitassem uma crise financeira, foi acertado uma continuação de financiamento e, de 2013 em diante, caberá ao Mecanismo de Estabilidade Europeia (ESM) assumir essa responsabilidade. Isso poderá aliviar um pouco a pressão, mas apenas mudará o problema do fundo de salvamento do BCE para a comunidade de Estados. O ESM é uma maneira garantida de colocar a Europa de joelhos porque quanto mais tempo os empréstimos de salvamento continuarem, mais tempo os déficits em conta corrente dos Pigs persistirão, e mais suas dívidas externas crescerão. Essa dívidas acabarão se tornando insustentáveis.

A única exceção é a Irlanda, que está sofrendo não por falta de competitividade, mas pela fuga de capitais. A Irlanda é o único país que reduziu preços e salários, e seu déficit em conta corrente está prestes a virar superávit. Por contraste, o déficit externo da Espanha ainda está cima de 4% do PIB, enquanto Portugal e Grécia registraram recentemente cifras astronômicas em torno de 10%.

Afora a reestruturação financeira, que é crucial, Grécia e Portugal precisam se tornar mais baratos para recuperar sua competitividade. Estimativas para a Grécia supõem que preços e salários precisam cair 20% a 30%. As coisas não serão muito diferentes em Portugal.

Se esses países não conseguirem o consenso político de que necessitam para tal, eles deveriam, em seu próprio interesse, analisar uma saída temporária da zona do euro para desvalorizar suas moedas.

É hora de encarar o fato de que os países periféricos da Europa terão de reduzir seu PIB nominal para recuperar a competitividade. A única questão é se eles derrubarão o euro também. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

É PROFESSOR NA UNIVERSIDADE DE MUNIQUE E PRESIDENTE DO IFO INSTITUTE.