Título: Até o limite
Autor: Krugman, Paul
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2011, Economia, p. B15

O fracasso em elevar o limite do endividamento obrigaria o governo dos EUA a fazer cortes numa escala que tornaria insignificante a austeridade atualmente imposta à Grécia

Dentro de aproximadamente um mês, se nada for feito, o governo federal vai atingir seu limite legal de endividamento. Haverá graves consequências se este limite não for elevado. Na melhor das hipóteses, sofreremos uma desaceleração econômica; na pior, mergulharemos novamente nas profundezas da crise de endividamento de 2008-09.

Assim sendo, será impossível pensar numa recusa em elevar este teto? De maneira nenhuma.

Muitos comentaristas se mantêm complacentes em relação ao teto do endividamento; dizem que a própria gravidade das consequências de não se elevar este limite garante que, no fim, os políticos farão aquilo que for necessário. Mas esta complacência ignora dois fatos importantes relacionados à situação: o extremismo do Partido Republicano moderno, e a urgente necessidade de o presidente Barack Obama mostrar que não se submeterá a extorsões futuras.

Falemos sobre como chegamos a este ponto.

O limite do endividamento federal é uma idiossincrasia da legislação orçamentária americana: como o endividamento decorre de decisões relativas à tributação e aos gastos, e o Congresso já se encarrega de tomar estas decisões envolvendo gastos e impostos, por que exigir uma votação adicional para a questão do endividamento? Além disso, este limite sempre foi tradicionalmente tratado como mero detalhe. Durante o governo do presidente George W. Bush - que elevou a dívida do país em mais de US$ 4 trilhões - o Congresso aprovou, sem alarde, nada menos do que sete aumentos no teto de endividamento.

Assim, o uso do limite de endividamento como forma de extorquir concessões políticas é algo novo da política americana. E isto parece ter apanhado Obama completamente de surpresa.

Em dezembro, depois que Obama concordou em prorrogar os cortes nos impostos aprovados na era Bush - gesto que muitos (eu, entre eles) viram como uma concessão à chantagem republicana -, Marc Ambinder, do The Atlantic, perguntou por que o acordo não incluía um aumento no limite de endividamento, de modo a evitar outra chantagem nos mesmos moldes (palavras minhas, não de Ambinder).

A resposta do presidente pareceu mostrar o quanto ele estava distante da realidade já naquela época. Ele afirmou que "ninguém, seja democrático ou republicano, deseja ver o colapso de toda a fé e credibilidade do governo dos Estados Unidos", dizendo também estar certo de que John Boehner, na qualidade de presidente da Câmara, aceitaria suas "responsabilidades de governante".

Bem, já sabemos o que ocorreu com as esperanças do presidente.

Ora, Obama tinha razão quanto aos perigos de não ser aprovado um aumento no teto de endividamento. Na verdade, ao se concentrar apenas na questão da confiança financeira, o presidente não expôs toda a gravidade da situação.

Não que a questão da confiança seja trivial. A decisão de não elevar o limite de endividamento - coisa que prejudicaria o pagamento da dívida existente, entre outros problemas - poderia convencer os investidores de que os Estados Unidos não são mais um país sério e responsável, provocando consequências drásticas. Além disso, ninguém sabe o que uma moratória americana faria ao sistema financeiro mundial, erguido em torno da suposição de que a dívida do governo americano é o ativo mais seguro de todos.

Mas não é apenas a confiança que está em jogo. O fracasso em elevar o limite do endividamento também obrigaria o governo americano a fazer cortes drásticos e imediatos nos seus gastos, numa escala que tornaria insignificante a austeridade atualmente imposta à Grécia. Cuidado para não acreditar nas baboseiras sobre os benefícios dos cortes nos gastos que passaram a dominar boa parte do debate público: cortar gastos num momento em que a economia se encontra profundamente deprimida destruiria centenas de milhares de empregos - talvez até milhões de postos de trabalho.

Assim, o fracasso em chegar a um acordo quanto ao endividamento teria consequências terríveis. Mas aí é que está: Obama deve estar preparado para enfrentar estas consequências se quiser que sua presidência sobreviva.

Levemos em consideração o fato de que os líderes republicanos nem mesmo se importam com o nível do endividamento. Em vez disso, estão usando a ameaça de uma crise de endividamento para impor ao público uma pauta ideológica. Para aqueles que ainda duvidavam disso, o ataque histérico da semana passada deve tê-los convencido. Os democratas envolvidos na negociação do endividamento defendem que, como estamos supostamente vivendo numa difícil situação econômica, deveríamos - além de cortar o auxílio aos pobres e menos afortunados - falar em limitar as isenções fiscais para os jatos corporativos e os administradores de fundos de hedge. Em resposta, os republicanos abandonaram as negociações.

Trata-se pura e simplesmente de um caso de extorsão. Nas palavras de Mike Konczal, do Instituto Roosevelt, o que os republicanos fizeram equivale a terem se aproximado armados com bastões de beisebol e dito, "Bela economia vocês têm aí. Seria mesmo uma pena se algo acontecesse a ela." E a motivação que leva os republicanos a agir desta maneira é o fato de acharem que isto vai funcionar: Obama cedeu em relação aos cortes nos impostos, e eles esperam que ele volte a ceder. Acreditam que controlam a situação, pois o público vai responsabilizar o presidente pela crise econômica que os republicanos ameaçam criar. Na verdade, é difícil não suspeitar que os líderes do Partido Republicano desejem de fato que a economia apresente maus resultados.

Em resumo, os republicanos acreditam que sabem onde encontrar Obama; que apesar de ele ainda morar na Casa Branca, para todos os efeitos, sua presidência já teria chegado ao fim. É hora - já passou da hora, por sinal - de Obama mostrar que estão errados. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA