Título: É uma expansão benigna, e não bolha
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2011, Economia, p. B4

Para Murilo Portugal, presidente da Febraban, ampliação do crédito vem na esteira da maior[br]solidez da economia

Murilo Portugal, presidente da Febraban

O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, não vê motivos para alarme com o crescimento do crédito no País. Segundo ele, o movimento reflete o momento positivo da economia e deve ser visto de maneira natural.

No entanto, em entrevista ao Estado, Portugal afirma que é preciso monitorar com cuidado a qualidade dos empréstimos oferecidos. A ideia, diz ele, é que o País não repita os erros cometidos no exterior e transforme uma oportunidade em uma "bolha" perigosa para a economia.

Leia os principais trechos:

Como o senhor vê a expansão de crédito no Brasil?

O Brasil vem vivendo desde 2004 um período de expansão acelerada do crédito ao setor privado, que tem crescido a taxas mais elevadas do que o crescimento do PIB. Sempre que ocorrem processos de rápida expansão do crédito, é preciso ficar muito atento ao que está acontecendo e monitorar cuidadosamente a evolução da qualidade do crédito.

Por quê?

Porque a experiência histórica no mundo não é das melhores. Em muitos casos, processos de expansão rápida do crédito terminaram gerando bolhas de preços de ativos que, quando se romperam, geraram crise no setor financeiro. Mas há muitos episódios de expansão acelerada do crédito que correspondem a processos saudáveis de melhoria dos fundamentos macroeconômicos, que levam as empresas e as pessoas a ter maior confiança no valor futuro dos contratos e dos ativos que estão comprando com crédito, e a anteciparem seu consumo futuro. Ou seja, há episódios benignos de expansão rápida do crédito, assim como há episódios de bolhas.

Como separar um do outro?

Não há indicador único que seja robusto para prever qual dos dois tipos de evento está ocorrendo. Os economistas desenvolveram uma série de modelos de aviso antecipado, para tentar prever crises, mas esses modelos não funcionam bem. Eles preveem muito mais crises do que realmente ocorrem, emitindo muitos sinais falsos de crises que nunca se materializam.

O que fazer?

Essa situação sugere duas coisas. Primeiro você tem que olhar vários indicadores e não apenas um, e analisar qualitativamente o contexto econômico em que a expansão de crédito está ocorrendo. Segundo, você tem que estar sempre atento à qualidade do crédito, procurar sempre seguir regras de prudência e manter margens para o inesperado.

E o que essa abordagem diria da situação do Brasil?

Em relação ao Brasil, acho que nós estamos vivendo um período de expansão benigna do crédito, e não uma bolha. As circunstâncias econômicas que cercam esse episódio sugerem que ele é uma resposta saudável à melhoria de vários fundamentos macroeconômicos.

Como é possível ter certeza?

Como eu mencionei, nos últimos seis anos o crédito ao setor privado aumentou 20 pontos porcentuais do PIB. Mas a dívida pública líquida também caiu 20 pontos porcentuais, de 60,4%, em 2002, para 40,1% no ano passado. Ou seja, o endividamento total da economia brasileira não aumentou. A dívida externa total, do setor público e do setor privado, ficou constante em dólares nominais em cerca de US$ 211 bilhões. Com a inflação externa e com o crescimento do PIB, isso significa que a nossa dívida externa caiu em termos reais. Hoje ela é apenas 8% do PIB. Acumulamos reservas internacionais que hoje estão em US$ 336 bilhões e são maiores do que a dívida externa do governo e do setor privado. Isso significa que o Brasil é um credor externo líquido no que se refere a dívidas.

Mas por que o crédito cresceu tão rápido?

Houve várias outras melhorias macroeconômicas nesse período que indicam uma ligação entre a rápida expansão do crédito e a melhoria dos fundamentos. A inflação caiu de pela metade, de 12,5%, em 2002, para 6,5%. A taxa de juros real caiu, embora ainda esteja alta. A taxa média de crescimento do PIB se acelerou em mais de 1 ponto porcentual por ano em relação à média da década anterior. A taxa de investimento aumentou 2 pontos porcentuais do PIB e está crescendo mais rápido do que o consumo.

A melhora social também pode ser considerada um fator?

Exato. Paralelamente ao processo de expansão econômica, ocorreu um processo de aumento do emprego, distribuição de renda e inclusão social e financeira. A taxa de desemprego caiu de 11,5%, em 2004, para 6,4%, atualmente. O emprego formal se expandiu de 44% da força de trabalho, em 2005, para 51%, no ano passado. Emprego formal com carteira assinada facilita muito a tomada de crédito. A proporção de pessoas pobres caiu de 27%, em 2002, para 15%. E o coeficiente de Gini, um indicador da concentração de renda, melhorou muito. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 29 milhões de pessoas ingressaram na classe C desde 2005. Tudo isso contribuiu para expandir o mercado de crédito.

E os bancos estão preparados para essa expansão de crédito?

Sim. Os bancos brasileiros são muito bem capitalizados, líquidos, rentáveis e têm uma tradição de inovação com prudência. O nível mínimo de capital em relação aos ativos dos bancos exigido pelo Banco Central é de 11%, maior do que a norma internacional de Basiléia que requer um capital mínimo de 8% dos ativos ajustados pelo risco. Os bancos brasileiros são mais prudentes. Os dez maiores bancos, que representam 85% dos ativos do sistema bancário, têm um nível de capital médio de 16% dos ativos. São também muito líquidos. As reservas compulsórias no Brasil são muito elevadas: 55% dos depósitos à vista e 32% dos a prazo. As reservas compulsórias acumuladas no BC representam um colchão de liquidez de 10% do PIB, que pode ser usado num momento de crise séria, como a de 2008. Aquela crise foi um teste de estresse na vida real pelo qual os bancos passaram.

Há preocupação quanto à qualidade de crédito no Brasil?

Estamos monitorando. Embora tenha havido no início do ano algum aumento da inadimplência na faixa de 15 a 90 dias, isso não afetou significativamente a inadimplência de mais de 90 dias. O que ocorreu era um resultado esperado, um processo de acomodação ao aperto monetário que o Banco Central vem realizando. Mas a inadimplência ainda está abaixo dos níveis históricos.

A expansão do crédito está desacelerando?

Sim, no ano passado foi de 20% em termos nominais e este ano deverá se situar ao redor de 15%.