Título: Crédito em alta só preocupa analistas estrangeiros
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2011, Economia, p. B4

Economistas brasileiros não veem sinal de bolha na expansão dos empréstimos, tema que vem minando a imagem externa do País

O clima de otimismo internacional em relação à economia brasileira começa a experimentar os primeiros arranhões, e a veloz expansão de crédito no País entrou no foco das atenções. Há, porém, um contraste entre a preocupação crescente de alguns observadores externos e a visão bem mais tranquilizadora de analistas brasileiros.

Para os primeiros, o crescimento do crédito nos últimos anos tem características de bolha. Já na visão brasileira, trata-se de uma expansão normal de uma economia que se estabilizou, tem perspectivas muito positivas e vinha de um nível muito baixo de crédito. "Não estamos muito preocupados com o crescimento do crédito, porque o mercado de trabalho vai continuar favorável e a massa salarial vai continuar crescendo", diz Roberta Veiga, analista de crédito da consultoria Tendências.

Por outro lado, os gestores de hedge fund Paul Marshall e Amit Rajpal fizeram um alerta esta semana no jornal britânico Financial Times sobre o crescimento do crédito no Brasil, notando que o pagamento de juros deve atingir 28% da renda disponível das famílias em 2011, comparado a 24% em 2010.

Eles ainda disseram ter estimativa própria de que o indicador havia ultrapassado 50% no caso da classe média. Os dois previram que o Brasil vai passar de um "boom" para um "bust", palavra inglesa que quer dizer um "estouro" de bolha. O próprio Financial Times, em editorial, alertou que os consumidores brasileiros estariam endividados demais.

Analistas brasileiros estranharam alguns números do artigo de Marshall e Rajpal, que, procurados pelo Estado, declinaram de falar. Por exemplo, os dois escrevem que os pagamentos atrasados em mais de 15 dias subiram de 7,8% para 9,1% do total de empréstimos entre dezembro de 2010 e maio de 2011. Mas os números do Banco Central (BC) indicam que os atrasos de pessoas físicas entre 15 e 90 dias eram de 5,3% em dezembro, e subiram para 6,3% em maio. De qualquer forma, o indicador mais preocupante é o de comprometimento da renda com o serviço da dívida, muito alto no Brasil. Em abril de 2011, esse indicador estava em 26,8%, segundo as estimativas do BC. Em seu artigo, Marshall e Rajpal comparam com os 16% do consumidor americano superendividado, e com números de apenas um dígito para China e Índia.

Mas o comprometimento da renda não assusta os analistas brasileiros. Na verdade, por causas do seu nível elevadíssimo no Brasil, os juros pesam mais do que as amortizações. Assim, as amortizações, como proporção da massa salarial, estão estáveis em um nível pouco acima de 10% desde meados de 2009. Já a carga de juros manteve-se entre13% e 14% de julho de 2009 a dezembro de 2010, mas, de lá para cá, já subiu para 16%.

Adriano Pires Lopes, analista de crédito do Itaú Unibanco, diz que "é complicado fazer comparações internacionais de comprometimento de renda". Ele nota que o indicador do BC toma o estoque de crédito à pessoa física, incluindo modalidades como consumo, imobiliário. Em seguida, calcula o gasto com o serviço da dívida ponderando o estoque pela média de prazo e taxa de juros.

O problema, ele explica, é que o juro aplicado no cálculo é o "da ponta", que vigora no momento. Como 98% do crédito à pessoa física é pré-fixado, esse cálculo superestima o gasto com o serviço da dívida no momento em que os juros estão subindo (já que as taxas da grande maioria permanecem constantes).

Do final de 2010 para cá, foram tomadas várias medidas macroprudenciais restritivas ao crédito, e a Selic, a taxa básica, subiu. Assim, os juros "na ponta" aumentaram, o que pode explicar porque o componente de juros no comprometimento da renda aumentou em 2,2 pontos porcentuais. Isso não quer dizer, no entanto, que de fato todos os endividados estejam pagando mais.

Outro dado que tranquiliza os analistas brasileiros é que a proporção das operações de crédito à pessoa física mais seguras (consignado e modalidades com garantia real, como veículos) vem aumentando, saindo de 53% no início de 2004 para 67% em maio de 2011.Como proporção do PIB, o crédito total no Brasil saiu de 26% em 2004 para 47% hoje, mas está muito aquém de países desenvolvidos (onde pode chegar a 100% ou mais), e mesmo de emergentes como o Chile.