Título: A elite política arruinou a Grécia
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2011, Economia, p. B12

Falhas históricas impediram a implementação de medidas que teriam evitado os males atuais

Como ocorre diariamente, na hora do almoço, na última quinta-feira, uma fila de esfomeados se estendia pelo saguão chegando até a rua diante de um abrigo para pessoas sem teto atrás da Praça Omonoia, em Atenas. Aposentados, desempregados, mães com crianças, imigrantes; todos esperavam pelos membros da igreja que lhes dariam algo para comer.

Yannis Behrakis/ReutersPara remediar. Novo financiamento de emergência ajudará os gregos nos próximos meses, mas não deve salvar o país Georgios Levedogiannis, 38 anos, recebeu um pouco de ervilha com alguns legumes e batatas, mais três fatias de pão e alguns copos de iogurte. Há nove meses ele comparece ao local todos os dias. "Tenho que vir aqui para sobreviver."

Georgios trabalhou como segurança no aeroporto de Atenas durante sete anos. Não estava rico, mas conseguia se manter. Sua pobreza ainda não é visível. Veste uma camisa limpa, calças azuis e pochete na cintura. Ele procura ficar firme, mas seus olhos se enchem de lágrimas quando diz: "se eu tivesse um trabalho não estaria aqui".

Ele não tem um tostão e dorme na Cruz Vermelha, come na igreja e sonha com uma época passada, quando ainda tinha trabalho. "Se você não tem contatos, ninguém irá contratá-lo", diz ele.

O número de necessitados aumenta rapidamente. Quase todas as 400 arquidioceses da Grécia começaram a distribuir alimentos para os pobres. "O número de pessoas necessitadas aumenta rapidamente", diz o auxiliar de uma das igrejas. "Não sabemos se o fim disso está à vista."

Na verdade, não. Na última quarta-feira, os socialistas do governo aprovaram um vasto plano de austeridade no Parlamento, apesar dos intensos protestos. A decisão abre caminho para uma próxima rodada de empréstimos de emergência da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Oposição suicida. Para George Provopoulos, presidente do Banco da Grécia, torpedear o pacote de austeridade, como a oposição conservadora do país tentou, seria um suicídio. Mas ele acha que a Grécia chegou ao seu limite e que será impossível exigir um maior aperto das pessoas.

Em comentários para o jornal Kathimerini, Provopoulos falou abertamente sobre o que considera a raiz da crise. "Não há dúvida que as falhas do sistema (político e social) existente impediram a implementação de políticas que teriam evitado os males atuais. Estamos pagando pelos erros passados."

O financiamento de emergência ajudará a Grécia a atravessar os próximos meses e dará ao resto da União Europeia algum tempo para a crise do euro acalmar um pouco. Mas é improvável que consiga salvar o país. Nas últimas décadas, uma elite, com as famílias Papandreou, Karamanlis e Mitsotakis no centro, criou um sistema de clientelismo econômico. Esbanjaram bilhões que o governo na realidade não tinha, enriquecendo amigos e parentes, tudo baseado no crédito. Esses líderes incharam a administração pública, criando um monstro burocrático.

Os acertos feitos pelos partidos políticos sempre tiveram mais a ver com favores do que com política. Qualquer pessoa com acesso aos fundos públicos usava essa prerrogativa para comprar amigos e eleitores, que então se comprometiam com o partido e com a família que o dirigia. O resultado foi uma democracia feudal, onde as gerações vêm e vão, mas os nomes continuam os mesmos: Papandreu e Karamanlis, com os Mitsotakis de vez em quando.

Príncipes feudais. Os príncipes feudais dos partidos habituaram o povo a viver além dos seus recursos. A Grécia, com seus 11 milhões de habitantes, é um país pobre, à margem da União Europeia que possui oliveiras, céu azul, praias e não muita coisa mais. Uma em cada quatro pessoas que trabalham, é funcionária pública. A fonte à qual todo mundo quer ter acesso.

Com os partidos políticos espoliando a nação por inteiro, as pessoas também procuravam agarrar o que conseguissem. A evasão fiscal pelos ricos chegou a bilhões, os pobres, trabalhando informalmente, também não pagavam impostos e as autoridades públicas abriam suas portas para o suborno.

Agora o primeiro ministro Georges Papandreu tem que resolver o que o seu pai ajudou a criar: um sistema em que pessoas podem se aposentar mais cedo e trabalhar menos.

Chegou o momento de medidas drásticas, diz o premiê. "Ou mudamos, ou naufragamos juntos." Papandreu sabe dos erros cometidos durante décadas.

O seu avô, que também se chamava Georges, fundou a dinastia política da família, assumindo primeiro várias posições ministeriais e depois ocupando o cargo de primeiro ministro. Após a ditadura militar de 1967 a 1974, o filho dele, Andreas Papandreu, criou o partido socialista Pasok. Na década de 80, Andreas distribuiu tanto dinheiro para seus comparsas e partidários que a dívida do país disparou.

Os conservadores, por seu lado, foram liderados mais por uma camarilha do que uma família e se alternaram com os Papandreu no governo do país. Konstantinos Karamanlis, patriarca da família, chegou à chefia do governo diversas vezes, até que o seu sobrinho, também Konstantinos, assumiu o poder. Uma ou outra vez, o espaço era ocupado pela família Mitsotakis. Konstantinos Mitsotakis também foi primeiro ministro e, mais importante, foi o homem mais poderoso do partido Nova Democracia durante 20 anos.

Promessa de reforma. Na sua campanha eleitoral, em 2004, o jovem Karamanlis prometeu reformar o país. Após a vitória, contudo, os escândalos se acumularam, com acordos imobiliários equivalentes a bilhões de euros e dinheiro desviado dos fundos de previdência.

A camarilha de Karamanlis falsificava os dados financeiros enviados para a União Europeia, e pouco antes da sua destituição, ele criou rapidamente dezenas de milhares de cargos na administração pública para parentes e amigos do partido. No fim do seu mandato, os conservadores tinham duplicado o déficit nacional.

A filha de Mitsotakis, Dora Bakoyannis, ministra do Exterior na época, tentou assumir a liderança do partido Nova Democracia. Antonis Samaras impediu que ela se tornasse a líder do partido - com o velho Mitsotakis continuando na função de líder honorário.

As autoridades financeiras da UE se consideram com sorte por ter Papandreu na liderança do país, e que vem tentando cortar custos. Samaras, por outro lado, promete aos eleitores reduzir os impostos e tentar uma difícil barganha com a UE no tocante às medidas de austeridade.

Partido menos popular. Enquanto o nível de aprovação de Papandreu junto à população caiu rapidamente nas últimas semanas, com seu partido Pasok obtendo apenas 27% nas pesquisas, nível mais baixo em 34 anos, o partido Nova Democracia, de Samaras obteve 31% de aprovação. O suficiente para colocar o partido como o mais popular aos olhos dos eleitores em meados de junho.

Há cerca de três semanas, Papandreu telefonou para o seu oponente conservador, perguntando se os dois partidos não deveriam se unir, numa grande coalizão, para salvar o país. Papandreu sugeriu que poderia até colocar à disposição o seu cargo de primeiro ministro.

Uma conversa que deveria ser confidencial, mas Samaras alertou os jornalistas. E em seguida colocou Papandreu numa situação embaraçosa, no Parlamento, deixando claro que não tinha interesse num governo de consenso.

Seja com Papandreu sozinho, ou com os dois políticos trabalhando juntos, o fato é que, se a Grécia começar a economizar, corre o risco de asfixiar sua própria economia. "É como o gato caçando o próprio rabo", diz o professor de economia Yanis Varoufakis.

Recentemente, Kenneth Rogoff, que foi chefe da equipe de economistas do FMI, advertiu que "se continuarem implementando o programa de austeridade que foi imposto, o país vai crescer pouco ou cairá numa recessão, e no final ainda estará inadimplente".

E na realidade, a Grécia já vem adotando medidas de austeridade. No ano passado, Atenas conseguiu cortar o déficit orçamentário de 15,4% do PIB, para 10,6%, graças ao primeiro pacote de austeridade implementado. O governo fez cortes de salários, fundos de aposentadoria e benefícios sociais, entre outras coisas.

Essa política de austeridade também colocou 200 mil trabalhadores na rua, com a taxa de desemprego chegando a 15% em março.

Com os salários no setor privado também caindo de 10% a 20%, o consumo despencou quase 10% e a recessão se intensificou. É um círculo vicioso.

O plano de austeridade aprovado na semana passada contempla o aumento de muitos impostos e novos cortes de gastos. Há um imposto de solidariedade a ser cobrado de todos e as taxas sobre a propriedade aumentarão. O governo prometeu adotar ações mais eficazes contra a evasão fiscal, embora ninguém saiba exatamente como. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO