Título: Por que a Europa cochilou
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2011, Economia, p. B10

Quando for escrita a história do século 21, as pessoas vão perguntar, com razão, por que a Europa não agiu com a energia necessária durante a mais grave de suas crises econômicas. Elas vão perguntar por que a Europa cochilou enquanto um sistema bancário de capitalização insuficiente naufragava, o desemprego mantinha níveis inaceitavelmente altos, e o crescimento e a competitividade do continente apresentavam queda acentuada.

Pior ainda: se um plano de reconstrução não for elaborado logo, os líderes europeus serão responsabilizados pelo "declínio do Ocidente" e então serão acusados de terem sido, nas palavras de Churchill sobre a década de 30, "decididamente indecisos, insistentes na inércia, rígidos na sua fluidez e onipotentes em sua impotência".

Não faltam, é claro, reuniões da liderança europeia. Quase todos os dias vemos uma reunião de cúpula de líderes europeus debatendo a mais recente crise que ameaça um país-membro. Mas eles falam como se estivessem lidando com uma calamidade restrita ao país que se está nas manchetes - o problema grego, ou o problema irlandês - sem que concordem em relação à verdadeira natureza da emergência, que é pan-europeia. Ao analisar equivocadamente o drama da Europa, acabam também implementando os remédios errados.

A Europa enfrenta na verdade três problemas de raízes profundas, cada um deles entrelaçado aos demais, e cada qual afetando sistemicamente cada canto do continente. Com o problema do déficit existe também um problema bancário e um problema crônico de crescimento.

Em primeiro lugar, os bancos: eu estava em Paris em outubro de 2008 para participar da primeira reunião realizada entre os chefes dos governos da zona do euro. O diagnóstico dos bancos que apresentei mencionava problemas de liquidez, mas também problemas estruturais.

Mas, na Europa, a maioria acreditava estar lidando apenas com as consequências indiretas de uma crise financeira anglo-saxônica e, sem dúvida, pensaram que uma Grã-Bretanha perdida tinha se deixado enredar no boom financeiro americano. Os líderes não sabiam na época que metade dos ativos subprime tinha sido comprada por bancos de toda a Europa.

O terceiro lado do triângulo é, sem dúvida, o próprio crescimento anêmico, que ameaça condenar o continente todo a uma década de alto desemprego. A redução do déficit e a estabilização dos bancos de que tanto precisamos não poderão ganhar força na ausência de economias que produzam comércio, empregos e crescimento.

Está claro que cada uma dessas preocupações - déficits, instabilidade bancária e baixo crescimento - está entrelaçada com as demais de uma forma que torna as políticas destinadas a remediar um problema específico sejam muito menos eficazes que uma ampla estratégia destinada a solucionar simultaneamente as três. E uma estratégia pan-europeia torna-se ainda mais necessária porque o euro foi criado sem mecanismos para evitar ou resolver crises.

Enquanto ardente e apaixonado defensor do projeto europeu, destoei da opinião convencional ao duvidar se fazer parte do euro estaria de fato no interesse da Grã-Bretanha. Afinal, sob uma moeda única nenhum país pode ajustar sua taxa de câmbio nem se beneficiar de juros definidos para necessidades específicas.

Precisamos agora produzir na Europa uma "hora da verdade" como aquela que o mundo viu na reunião do G-20 em 2009. Como ocorreu com o G-20, os políticos europeus devem liderar as impressões do mercado ao concordar ousada e simultaneamente com uma solução semelhante ao Plano Brady para a Grécia e uma recapitalização dos bancos europeus; um novo instrumento de alívio de dívidas para a área do euro; e, acima de tudo, uma estratégia de fomento ao crescimento e ao empreendimento que chamo de Europa Global: o redirecionamento das energias da Europa para as exportações destinadas aos emergentes, possibilitando que os europeus se reequipem para fazê-lo dentro de um cronograma claro para a flexibilização dos mercados de trabalho, de capitais e financeiro./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

EX-PRIMEIRO-MINISTRO BRITÂNICO