Título: Obras de transporte são as mais polêmicas
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2011, Economia, p. B1

Nas ações, há principalmente suspeitas de sobrepreço e aditivos feitos nos contratos

Os empreendimentos do setor de transportes (rodovias, ferrovias e hidrovias) e de recursos hídricos, como a Transposição do Rio São Francisco, são os campeões de processos judiciais dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Até o fim do ano passado, os dois segmentos somavam 2.364 ações contrárias aos projetos em implantação ou aos processos de licitação. Aeroportos e energia elétrica aparecem logo em seguida, conforme os dados da Advocacia Geral da União (AGU).

Em muitos casos, as ações surgem de denúncias feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No setor de transportes, os itens que mais provocam polêmica são os indícios de sobrepreço e os aditivos feitos nos contratos. Os construtores se defendem afirmando que a tabela usada como referência para balizar decisões do TCU não retrata a realidade do País e dá margem a uma série de dúvidas. "Uma obra feita no Amazonas não tem o mesmo custo que uma obra no Rio Grande do Sul", argumenta o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Luiz Fernando dos Santos Reis, que reivindica a mudança no processo.

O TCU, porém, não entende dessa forma e tem agido com rigor em relação ao assunto. No ano passado, detectou os primeiros indícios de irregularidade na construção da Ferrovia Norte Sul, sob gestão da estatal Valec - cujo ex-presidente José Francisco das Neve está envolvido no esquema de fraude detectado esta semana no Ministério dos Transportes. Descontente com a acusação de sobrepreço, a construtora responsável pelo trecho entre Aguiarnópolis (TO) e Anápolis (GO) desistiu de executar a obra e entrou na Justiça. O processo ainda não foi julgado.

Esse caso foi apenas a ponta do iceberg na ferrovia. Hoje a Polícia Federal e o Ministério Público investigam outra suspeita de superfaturamento no trecho entre Santa Isabel a Uruaçu, em Goiás. As investigações indicam que, desde o lançamento do edital, as regras adotadas direcionaram a licitação em favor da construtora vencedora. A ferrovia, lançada em 1986 pelo presidente José Sarney, até hoje não foi concluída. Durante toda sua história, esteve associada a acusações de irregularidades e favorecimento de empresas.

Mas nem todas as ações envolvendo obras de transportes são decorrentes de fraudes. Há uma série de questionamentos provocados pela má qualidade dos projetos básicos. Reis afirma que as suspeitas de sobrepreço muitas vezes surgem a partir de serviços que precisam ser executados, mas não constavam no edital. "Isso porque as sondagens não detectaram a necessidade de usar uma determinada tecnologia - mais cara - por causa de um tipo de solo."

O problema tem reflexos também nos estudos ambientais, que são elaborados de forma superficial e entram na mira de ambientalistas e do Ministério Público. É o caso das obras de dragagem, derrocagem e sinalização da Hidrovia Tietê-Paraná. O Ministério Público exigiu a elaboração de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e a indenização da colônia de pescadores.

Para Lembrar

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi lançado em janeiro de 2007 com o objetivo de eliminar os principais gargalos da infraestrutura brasileira. Mas não demorou muito para o governo perceber que o problema era mais complexo do que se imaginava. A maioria dos cronogramas estipulados pelo governo para inauguração das obras não era cumprido por causa de ações judiciais e questionamentos de órgãos ambientais. Além disso, o governo descobriu uma enorme dificuldade para gastar o orçamento reservado para as obras.