Título: Da crise, a Grécia extrairá seu recomeço
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2011, Economia, p. B13

Para o 'homem de Soros', a atual turbulência, abre uma grande oportunidade para a reforma do Estado e da cultura do país

ENTREVISTA - Stylianos Zavvos, presidente da consultoria Zeus Capital Invest

A perspectiva de forte turbulência social na Grécia entre setembro e outubro por causa da aplicação das medidas mais fortes de cortes de gastos públicos e do início das privatizações, traz riscos para a sobrevivência do primeiro-ministro George Papandreou. A opinião é de Stylianos Zavvos, presidente da consultoria Zeus Capital Invest conhecido como "o homem de Soros" - referência ao megainvestidor George Soros - na Grécia.

Para ele, a capacidade de a Grécia atravessar a pior crise econômica de sua história depende do sucesso do governo em reformar o Estado e do grau de união e de interesse da zona do euro em manter a moeda. "Da crise, a Grécia extrairá seu recomeço." Leia os principais trechos da entrevista:

Qual a capacidade da Grécia reduzir sua dívida pública?

Tudo depende de o que a Grécia e a zona do euro puderem fazer. A crise é resultado de um enorme gasto público, que gerou o déficit atual, de cerca de 22 bilhões. Será preciso reverter esse déficit em superávit primário. Somente assim os mercados verão a Grécia sob uma perspectiva diferente. Para tanto, é preciso haver consenso entre o governo (socialista) e a oposição (conservadora) sobre o corte de 10 bilhões de despesas ao ano. Senão, não haverá como prevenir uma eventual agitação social.

O governo tem condições políticas de por em prática as medidas de austeridade fiscal aprovadas pelo Parlamento?

O governo conseguiu reduzir o déficit público, em um ano, de 15,7% para 9%, o que é extraordinário. As pessoas não entendem, inclusive na Grécia, que será preciso resolver o déficit fiscal e prolongar a dívida para, depois, retomar o crescimento. Essa foi a opção de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil criou um milagre, e temos de seguir esses passos.

Mas, o problema maior parece ser a aplicação das medidas. Por exemplo, como aumentar a arrecadação tributária neste ano se houve uma queda de 7,5% entre janeiro e maio, em comparação com 2010?

Um dos problemas dessa área é a evasão fiscal. Mudanças tributárias levarão de dois a três anos para trazer resultados. Dado o grau de evasão, há muita discussão em torno de qual iniciativa será mais efetiva: a redução ou o aumento das alíquotas. Há um ano, o primeiro-ministro, George Papandreou, afirmou em conversas privadas haver só 3 mil contribuintes que declaram renda maior que 2 mil no país. Por isso, o governo terá de se concentrar, em um primeiro momento, no corte de despesas.

O governo terá condições políticas de demitir 150 mil do total de 1 milhão de funcionários públicos?

Para conseguir o superávit primário, o governo terá de cortar 10 bilhões em gastos públicos ao ano. Isso vai requerer cortes no serviço público. A expansão da máquina do Estado grego se deveu a décadas de nepotismo. A crise dará uma grande oportunidade para a reforma do Estado e da cultura do país, onde os jovens buscam empregos públicos. Da crise, a Grécia extrairá seu recomeço.

O programa de privatização está quase um ano atrasado. Deve começar em setembro, com a venda de um patrimônio equivalente a 3% dos 50 bilhões programados. Não é uma agenda irreal?

Essa agenda é difícil de ser adotada conforme o calendário fixado no acordo da Grécia com o FMI e a Comissão Europeia, de 2010. Há risco de se obter preços menores dos bens em privatização por causa do período curto demais. Acredito que vai funcionar. Mas, em ritmo mais lento e gerando menos recursos que os projetados.

Empresas estrangeiras já estão posicionadas para a privatização?

Algumas empresas se mostram interessadas. Há chances grandes de a China aportar investimentos, dado seu interesse em fazer da Grécia uma espécie de entreposto para o ingresso de produtos na Europa. Há também interesse de investidores do Catar, do Kuait e outros países árabes.

Há receio de que a privatização e as demissões de servidores causem turbulências sociais?

O maior medo dos governos, como ficou claro na América Latina, é a agitação popular. Espera-se que setembro e outubro sejam meses de grande agitação na Grécia. Por isso, é preciso haver uma combinação da aplicação das medidas de austeridade pela Grécia com a adoção do plano europeu de troca da dívida grega. As pessoas querem ter esperança de ver a solução para a crise e a percepção de Justiça social. Senão, será como uma bomba nuclear. A agitação será geral.

Analistas gregos comentam a possibilidade de Papandreou convocar eleições nesse período e deixar o governo.

Há algumas conversas sobre isso. Eu sou totalmente contra porque não ajudará a economia nem resolverá as questões em aberto. Creio mais na perspectiva de composição de um governo de união nacional, com a participação dos partidos do governo e da oposição e de especialistas apartidários. Isso é possível.

Há algum risco de a Grécia abandonar a zona do euro?

Muitos europeus acreditam que o milagre econômico alemão se deveu à impossibilidade de os países periféricos desvalorizarem suas moedas. A Grécia precisaria desvalorizar o euro em 24% para se tornar competitiva. Ainda assim, não acredito na saída do país da zona do euro. Não é impossível, mas não é uma saída plausível.

Qual a sua avaliação sobre o pessimismo do mercado financeiro internacional sobre a Grécia?

Os analistas tentam avaliar o risco, mas não consideram a imensa vontade do país de resolver o problema. Essa é uma razão adicional para garantias dos governos da zona do euro a um plano de rolagem da dívida grega. Isso dependerá basicamente da vontade e da liderança da Alemanha. A zona do euro precisa estar unida, sem rachas.