Título: Desencontros entre o mercado e o BC prejudicam o combate à inflação
Autor: Alves, Fábio
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2011, Economia, p. B6

Analistas financeiros estão errando cada vez mais as projeções para a Selic, num sinal de problema de comunicação com o Banco Central

A condução das expectativas sobre os rumos da inflação e da taxa básica de juros na gestão de Alexandre Tombini à frente do Banco Central está levando economistas e analistas a errarem mais nas apostas sobre o resultado das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do que no ano passado e em 2007, pré-crise mundial.

Os desencontros entre o mercado e o BC levam bancos, investidores e empresas a trabalharem com expectativa maior de inflação, provocam alta no custo dos financiamentos e aumentam a necessidade de medidas - como a elevação da taxa básica de juros, a Selic - para conter a pressão por reajuste de preços.

Cálculo feito pelo Espírito Santo Investiment Bank (Besi Brasil) a pedido da Agência Estado mostra que a média de acerto do resultado das primeiras quatro reuniões do Copom este ano caiu para 77% das apostas de analistas e economistas pesquisados antes de cada decisão sobre a taxa Selic. Em 2010, ano eleitoral e de despedida de Henrique Meirelles como presidente do BC, a média foi de 83% nas oito reuniões do Copom.

Em 2007, início do segundo mandato do ex-presidente Lula e que antecedeu a crise dos mercados deflagrada pela bolha de crédito, o acerto médio das estimativas do mercado nos oito encontros do comitê foi de 89% - melhor que as médias registradas nas apostas para as decisões dos bancos centrais da Nova Zelândia e da Inglaterra, modelos de regime de metas de inflação, e até do Federal Reserve americano, que não adota o regime de metas de inflação. Naquele ano, o desempenho do BC na calibragem das expectativas do mercado sobre o rumo dos juros foi pior apenas que o do Banco Central Europeu (BCE), cujas decisões foram previstas com um acerto de 98%, em média.

Termômetro. O porcentual de acerto nas apostas de economistas e analistas sobre as decisões de taxa de juros é um dos termômetros de quão bem um banco central está se comunicando com o mercado sobre como vê o cenário econômico e os riscos futuros que poderão afetar a demanda e a oferta, os preços e outras variáveis importantes para determinar os juros.

"A comunicação do Banco Central funcionava super bem até 2007, o que nos fazia dizer que o BC era previsível, pois tinha uma coordenação boa das expectativas", diz Flávio Serrano, economista sênior do Besi Brasil. "Com a postura tomada a partir de 2010, a gente observa que houve muito mais ruído na comunicação e que a taxa de acerto do mercado diminuiu."

Em períodos de estresse na economia mundial, como foram os anos de 2008 e 2009, quando os bancos centrais de vários países foram forçados a adotar medidas emergenciais e inesperadas para evitar um colapso do mercado mundial, não é possível julgar a qualidade da comunicação das autoridades monetárias.

Pontos de inflexão da política monetária, quando um BC para ou dá início a ciclos de elevação ou redução de juros, também podem afetar negativamente o porcentual de acerto. Mas em anos sem choques ou crises agudas na economia mundial, o esperado é que o mercado acerte, num número mais elevado de reuniões, 100% o resultado das decisões de política monetária.

"Esse Banco Central (do presidente Alexandre Tombini) se atém muito aos instrumentos formais de comunicação e, afora esses instrumentos, procura calibrar muito pouco as expectativas", diz Rogério Mori, professor da Fundação Getúlio Vargas.

A crítica de Mori é que a atual gestão do BC limita-se muito à ata das reuniões do Copom como principal instrumento de comunicação, e usa pouco outras ferramentas, como pronunciamentos do presidente e da diretoria, para guiar as expectativas entre reuniões do Copom.

Contradições. A insuficiência de pronunciamentos ou comentários de Tombini e de seus diretores entre as reuniões de março e abril deste ano fez com que apenas 26% das 58 apostas de analistas sobre o resultado do Copom de abril acertassem a mudança de posição do BC para um ciclo de apertos de menor magnitude porém mais longos, refletido na alta de 0,25 ponto porcentual na taxa Selic para 12%.

"A comunicação do BC poderia ter sido um pouco mais clara nesse cenário de mudança", diz. Até então o BC trabalhava com um cenário mais benigno de inflação, que se mostrou surpreendentemente mais resistente, e de atividade econômica sem o arrefecimento no ritmo previsto.

"Em 2010 e 2011, houve momentos claros em que o BC falou uma coisa e fez outra", diz Serrano, do Besi. Houve situações em que a contradição nas mensagens da ata do Copom e do relatório de inflação, outro documento usado para guiar as expectativas, dividiu as apostas e induziu ao erro, segundo o economista.

A ata da reunião do Copom de março de 2010, quando o BC manteve os juros em 8,75%, foi considerada dura na avaliação do cenário, o que sancionou apostas de elevação da Selic em 0,75 ponto para a reunião do mês seguinte. Contudo, o relatório de inflação do primeiro trimestre de 2010, divulgado pouco tempo após a ata da reunião de março, teve um tom muito mais ameno quanto à inflação e à atividade econômica. O mercado então ficou dividido entre alta de 0,50 e 0,75 ponto. Prevaleceu a elevação de maior magnitude, mas apenas 43% das apostas foram corretas na reunião.

Em 2007, das oito reuniões do Copom, cinco registraram 100% de acerto nas apostas. Em 2010, foram três reuniões com sucesso integral na previsão dos analistas. Neste ano, nenhuma.

Em contraste, o BCE realiza 12 reuniões por ano. Em 2007, em nove houve acerto de 100%. Em 2010, esse número subiu para 11. E, neste ano, quando o BCE voltou a elevar os juros, descongelando a política monetária, o sucesso foi total nas seis reuniões do primeiro semestre.

"Os economistas não têm de acertar sempre", diz Serrano. "O que se questiona é por que está ocorrendo tanta reunião do Copom com baixo índice de acerto."