Título: Lula abriu o caminho, Dilma está seguindo
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2011, Internacional, p. A14

Chanceler comemora apoio brasileiro e defende voto na ONU; `estamos dialogando há 20 anos e Israel não se mexe¿

Professor universitário Riad Malki é ministro das Relações Exteriores da Autoridade Palestina desde 2007 e tem sido um dos principais articuladores da ofensiva palestina por reconhecimento internacional. Desde a semana passada, Malki está reunido em Estambul com todos os embaixadores palestinos discutindo a estratégia na ONU.

O Brasil anunciou que votará com os palestinos na ONU. Como o Sr. avalia essa decisão?

A posição da presidente Dilma Roussef é excelente e muito encorajadora. As relações entre o Brasil e a Autoridade Palestina não poderiam ser melhores. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu reconhecer o Estado palestino, no fim de 2010. Foi um marco nas nossas relações. Agora, Dilma está seguindo o caminho aberto por ele. Nóes sentimos que o Brasil defende os direitos dos palestinos e sabemos que podemos contar com o governo brasileiro.

Antes parecia haver certa indefinição sobre o que seria feito em setembro. A decisão de solicitar à ONU que a Palestina seja o 194° país-membro da organização foi tomada?

Sim. No sábado (ontem), todos os embaixadores palestinos se reunirão em Istambul para receber instruções sobre nossa iniciativa nas Nações Unidas.

Quantos países indicaram que votarão a favor? Estamos ainda em diálogo com vários países, mas os resultados já são satisfatórios. Começamos com o apoio da Liga Árabe. Em seguida, veio o movimento dos países não alinhados e a Organização da Conferência Islâmica. O Brasil está nos ajudando em relação ao G-77 (coalizão de 77 países em desenvolvimento). Contamos com o apoio da maioria da Assembléia Geral da ONU.

Além do G-77, até onde vai a contribuição brasileira? O Brasil, sob comando do presidente Lula, foi o primeiro país latino-americano dessa nova leva a reconhecer a Palestina (Venezuela e Nicarágua já reconheciam). Essa decisão fez com que vizinhos ¿como Argentina e Uruguai- se sentissem compelidos a seguir o mesmo caminho. Por isso, seremos sempre gratos ao presidente Lula.

Na semana passada, Nabil Amr, ex-ministro e membro do Comitê Central da OLP, disse ser um ¿erro¿ ir a ONU em setembro, pois isso colocará Ramallah contra os EUA. Até onde vão as cisões no campo palestino?

Só ele discorda da iniciativa. Isso é normal, afinal somo uma democracia. Mas é preciso dizer que ele não faz parte da liderança da Autoridade Palestina.

Mas o Sr. teme um distanciamento dos EUA? Não queremos nenhum tipo de confronto com ninguém. Estamos apenas reivindicando nossos direitos, após 44 anos de ocupação e 20 de negociações fracassadas.

Israel, EUA e países europeus afirmam que o recurso à ONU não é uma alternativa ao diálogo direto, mas um instrumento de pressão política que prejudica o processo de paz. Por que os palestinos não aceitam voltar a mesa de negociação?

Estamos dialogando com Israel há 20 anos, desde os Acordos de Madri. Eles não se mexeram desde então. Aliás, Israel usa as negociações para ampliar o roubo de terra palestina e impor ¿novas realidades¿ no território. Apões esses 20 anos de negociações, ainda estamos muito distantes de um Estado palestino e da paz. Esteja certo: se, depois dessa resolução da ONU, as negociações recomeçarem elas serão completamente diferentes. O reconhecimento fará com que Israel entenda que o diálogo é melhor do que a ocupação e a tentaiva de ganhar tempo, enquanto crescem os assentamentos.

E qual seria o `ponto de chegada¿ nesse diálogo direto? O que o presidente Barack Obama falou em maio: dois Estados nas fronteiras Pré-1967. Quando Israel aceitar isso, teremos paz. Agora, na ONU, estamos simplesmente perguntando: ¿Vocês acreditam que os palestinos merecem a autodeterminação?¿ Se a resposta for ¿sim¿, será preciso discutir quando e como. O processo de paz não pode ficar parado sempre.

Marwan Baeghouti, um dos principais líderes da Segunda Intifada, pediu que os palestinos voltem às ruas no dia da votação na ONU. O Sr. teme que isso termine em violência?

Rejeitamos qualquer forma de violência. Somos o lado fraco nessa luta e, se houver novo derramamento de sangue, Israel usará isso para destruir tudo o que conseguimos. Pessoalmente, estou preocupado que os israelenses usem a violência contra nós. Pedimos que todos os nossos amigos saiam às ruas, pacificamente, no dia da votação nas Nações Unidas, em várias capitais do mundo. Seria um grande gesto de solidariedade. Mas não queremos nada que possa ser interpretado como um ato de confronto.