Título: A dívida e os empregos nos Estados Unidos
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2011, Economia, p. B1

Os líderes partidários chegaram a um acordo. Ufa! Tudo indica que o calote será evitado e as aposentadorias e o seguro-desemprego continuarão sendo pagos. Mas e os empregos, voltarão?

Apesar da boa negociação, os problemas de emprego continuarão extremamente graves. Na recessão dos anos 80, o país recuperou o nível anterior de emprego em 6 meses. Na crise e ritmo atuais, vai demorar 60 meses (McKinsey Global Institute, Job creation and America"s future, 2011).

E nada será automático. Para gerar os necessários 22 milhões de postos de trabalho até o fim da década, os americanos terão de se posicionar de forma muito mais competitiva na economia mundial para, com isso, trazerem de volta uma parte dos empregos que migraram. O dólar desvalorizado ajuda a manter os salários domésticos atraentes, mas o repatriamento está sendo tímido.

Além disso, os americanos terão de melhorar muito a qualidade da educação. A simples aceleração do crescimento não garante a incorporação dos atuais desempregados nos novos postos de trabalho.

A melhoria da educação será crucial também para a prática das novas formas de trabalho, em especial o trabalho remoto, que é exercido nos domicílios a um custo bem mais baixo do que o trabalho convencional. Em muitas áreas, a virtualização dos empregos será estratégica para aumentar a competitividade.

Ao longo dessa dura caminhada - que pode durar dez anos -, o desemprego elevado continuará fazendo estragos na vida dos trabalhadores e de suas famílias, com sérios reflexos na situação da saúde das pessoas.

Os profissionais da saúde serão demandados a trabalhar mais. O setor, em tese, poderá criar um grande número de empregos. Mas essa atividade é extremamente dependente dos investimentos do governo que, daqui por diante, terão de ser contidos - foi parte do acordo dos líderes. Muitos governos estaduais já estão sem condições de prover os cuidados básicos. O mesmo pode ser dito no campo da educação. Inúmeros Estados vêm reunindo duas classes em uma e fazendo outras manobras para evitar fechar as escolas. Mesmo se endividando, eles estão sem recursos para enfrentar tais problemas.

Quando se vê que a geração de postos de trabalho não decorre de uma autorização de endividamento, fica clara a necessidade de colocar a questão do emprego no centro das políticas públicas. Inevitavelmente, o Estado será chamado a desempenhar um importante papel nessa difícil trajetória. Isso não casa com o tradicional liberalismo americano e muito menos com a situação de uma dívida que terá de ser mais controlada - com cortes no horizonte. O plano de emergência acertado pelos parlamentares ficará aquém do necessário. Até o fim da década, muitas novas negociações difíceis serão necessárias para os Estados Unidos recuperarem uma posição vantajosa na competitividade internacional e para melhorarem a sua capacidade de gerar empregos.

Se o quadro é difícil nos Estados Unidos, tampouco é róseo na Europa. Os problemas são praticamente os mesmos. Para socorrer as emergências da crise de 2008-2009, os governos se endividaram a ponto de colocar a própria moeda em risco - sem contar os que se descontrolaram na administração dos seus orçamentos. Na zona do euro, a taxa média de desemprego está em 10%. É verdade que há alguns países abaixo disso. Mas há também Portugal com 11%, Grécia com 16% e Espanha com 20%.

Para o mundo desenvolvido, esta será uma década perdida em matéria de emprego. O Brasil, felizmente, está em outra situação. Mas não podemos ignorar esses fatos, mesmo porque, além dos reflexos que advirão de um esfriamento global, a elevação da competitividade e a melhoria da qualidade da nossa mão de obra são igualmente nossos principais problemas.

PROFESSOR DA FEA-USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, É PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMÉRCIO DE SÃO PAULO