Título: Crise se agrava e UE teme faltar dinheiro
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2011, Economia, p. B1/3

Presidente da Comissão Europeia admite contágio nos países do centro do continente e diz que fundo de 400 bilhões de euros é insuficiente

CORRESPONDENTE / GENEBRA

O temor de uma nova recessão mundial ganha força em todo o mundo e a Europa admite que a crise da dívida atinge o coração do continente. Ontem, em um dia de pânico, as principais bolsas despencaram, diante de governos incapazes de dar garantias aos mercados e de dados macroeconômicas que revelam que a recuperação da Europa e dos Estados Unidos acabou.

O Banco Central Europeu (BCE) fracassou em blindar Espanha e Itália de um contágio da crise da dívida. Mas o sinal mais claro do mal-estar foi dado pelo próprio presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, admitindo que a turbulência por conta da dívida já deixou a periferia e atinge o centro da UE. Para ele, a crise entra em uma nova dimensão e terá de contar com um fundo de resgate com maior poder de fogo - ou seja, mais dinheiro.

Parte do nervosismo nos mercados foi causado pelos piores resultados da economia europeia em dois anos. Nos últimos dias, empresas de diversos setores ainda revelaram queda de vendas e bancos anunciaram demissões. Ontem, o índice Markit, que mede o setor de serviços no continente, revelou que esse segmento da economia está estagnado e que a recuperação acabou. "A economia da zona do euro entrou em um terreno de estagnação", afirmou Rob Dobson, economista da Markit, em declarações ao Estado.

Migração. Outro fator que pesou foi a constatação da UE de que a crise da dívida já deixou a periferia e hoje afeta o centro do bloco. Em uma carta aos líderes dos 27 países da UE, Barroso alertou que o problema já não está na Grécia, Portugal e Irlanda. Segundo ele, a crise está comendo o coração da zona do euro, com Espanha e Itália afetadas. Para o Barroso, a zona do euro está ameaçada por uma "falência sistêmica" e que "está claro que não administramos uma crise apenas na periferia".

Seu apelo é para que a UE repense a forma de resgatar países e que o fundo que criou no ano passado com 440 bilhões seja fortalecido para um eventual resgate à Itália e Espanha, a terceira e quarta maiores economias da região. Já se especula que o fundo precisará de 1 trilhão a 2 trilhões para garantir a sobrevivência do bloco.

Dos 440 bilhões inicialmente acordados, 43 bilhões já foram reservados para Irlanda e Portugal, além de 70 bilhões para a Grécia. Para Barroso, não há dúvidas de que o fundo de resgate criado pela UE nem de perto seria suficiente para socorrer Espanha ou Itália, caso seja necessário. "Precisamos estar equipados com os meios para lidar com os riscos de contágio."

Barroso ainda criticou a falta de coordenação dos países europeus em torno de uma solução, alertando para a "indisciplina" na comunicação e no fato de não terem completado o trabalho.

Fracasso. Em outra demonstração da gravidade da crise, o BCE fracassou em acalmar os mercados e apenas reforçou o sentimento de que uma crise ainda maior está prestes a eclodir. A instituição garantiu que continuaria comprando papéis da dívida de países em crise, em um sinal de que atuaria para ajudar Espanha e Itália. O BCE ainda manteve as taxas de juros inalteradas. "Vocês verão como vamos atuar. Não me surpreenderia se notássemos algo nos mercados antes dessa conferência de imprensa", disse Jean-Claude Trichet, presidente do banco.

De fato, sua declaração gerou um alívio no mercado, já que a ação do BCE é considerada como a única medida real para frear um calote no continente. Mas a calma não chegou a completar dez minutos e Itália e Espanha voltaram a ser alvo do mercado. Nem o anúncio da reinstalação de medidas extraordinárias de liquidez foram suficientes. Na realidade, a medida foi interpretada como uma prova de que a crise é inevitável.

O risco país da Espanha e da Itália voltou a aumentar, chegando perto do recorde. Para analistas, a reação do mercado escancarou o fato de que o BCE não tem poder de fogo para socorrer esses países. Na Itália, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi também não conseguiu convencer os mercados. Ontem, prometeu um pacto para promover o crescimento do país a partir de setembro, mas não deu indicação do que poderia ser.

PONTOS DE TENSÃO

Crise da dívida Recente escalada da crise da dívida soberana na zona atingiu em cheio os mercados pelo temor de que piore as expectativas de crescimento da economia mundial

Indicadores Parte do nervosismo nos mercados foi causado pelos piores resultados dos indicadores econômicos em dois anos.

Fundos O fundo europeu de ajuda criado para salvar os países em crise de 400 bilhões de euros é insuficiente se for preciso resgatar Itália e Espanha. Já se fala que precisaria ser entre 1 trilhão de euros e 2 trilhões de euros