Título: Capitalismo ao estilo chinês
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2011, Espaço aberto, p. A2

O crescente investimento externo da China e a presença cada vez mais forte de suas empresas em países em desenvolvimento começam a expor dificuldades culturais geradas pelo modelo de gestão empresarial implantado em terras africanas e latino-americanas.

O semanário The Economist recentemente publicou trabalho mostrando o que está acontecendo na África. A China é atualmente o maior parceiro dos países africanos e o destino de mais de um terço do petróleo produzido naquele continente. As empresas chinesas, privadas e públicas, estão investindo pesadamente na produção agrícola, de manufaturas e no varejo. Recursos chineses são responsáveis pela construção de numerosos hospitais, escolas e edifícios públicos. Seu comércio superou US$ 120 bilhões em 2010. Nos últimos dois anos a China fez mais empréstimos a países em desenvolvimento, especialmente na África, do que o Banco Mundial. Entre 2005 e 2010, estima-se que 14% dos investimentos chineses no exterior tenham sido canalizados para a África subsaárica e grande parte dos empréstimos está condicionada a compras de produtos chineses.

A China goza, até aqui, de uma vantagem em relação aos países desenvolvidos que investiram nos países em desenvolvimentos nos últimos 200 anos: sua atividade não tem despertado hostilidade. Sua lua de mel, no entanto, está chegando ao fim. As empresas chinesas dependem da cooperação de grande número de africanos crescentemente insatisfeitos com o tratamento recebido.

Uma das explicações para essa mudança de atitude reside no fato de que os chineses que saem para trabalhar no exterior replicam métodos de negócios que pouco levam em conta os direitos dos trabalhadores, relegando a segundo plano as regulamentações e os costumes locais. Juntamente com o aumento do comércio, do investimento, do emprego e da qualificação os chineses também estão trazendo práticas desleais e uma cultura de vale-tudo, até mesmo de violência física, nas relações de trabalho.

As queixas são generalizadas: o país destrói os parques e florestas na busca de recursos minerais e agrícolas e rotineiramente desrespeita regras rudimentares de segurança no trabalho. Estradas e hospitais construídos pelos chineses são mal acabados, inclusive porque as companhias construtoras subornam funcionários públicos locais e inspetores de obras. A corrupção, um problema crônico na África, vem sendo agravada pelos métodos seguidos pelos chineses.

A China passou a ser vista como um predador exaurindo os recursos minerais africanos. Críticos acusam o país de estar adquirindo a propriedade de recursos naturais, em vez de controlar a produção para seu próprio consumo, como no caso do petróleo. Seu interesse, no momento, é vender no mercado spot para manter o fluxo de fornecimento ao mercado internacional de modo a conter a alta dos preços. Por outro lado, o interesse da China não é somente ter acesso aos recursos minerais africanos, mas também construir estradas de ferro e pontes longe das jazidas e dos campos de petróleo para conquistar uma imagem positiva.

Em Angola, segundo The Economist, o presidente José Eduardo dos Santos, refletindo o descontentamento com a presença da China, disse publicamente que os chineses não são os únicos amigos dos angolanos e que não raramente brasileiros e portugueses são usados pelo governo de Luanda para contrabalançar a força da presença chinesa.

Evidentemente, a situação no continente africano nada tem que ver com o que se passa na América Latina. O que não impede que o crescente número de empresas chinesas no Brasil deva merecer atento acompanhamento das autoridades públicas.

Acaba de ser anunciada a ampliação da Foxconn, por meio de investimento de US$ 12 bilhões e o aumento de mais de 150 mil empregos. De acordo com informações publicadas pela Folha de S.Paulo, operários na linha de produção da maior fornecedora de componentes eletrônicos do mundo reclamam de intimidação para produzir horas extras, pressão para atingir metas, ritmo de trabalho hipertenso, múltiplos contratos de experiência e alta rotatividade.

O anúncio desses grandes investimentos e a possibilidade do aumento do número de executivos e trabalhadores chineses, sobretudo em obras de infraestrutura, como ocorreu na tentativa frustrada de trazer operários chineses para trabalhar no Porto de Tubarão, mais as iniciativas do governo de Pequim de casar investimentos em terras para a produção agrícola com a vinda de agricultores do interior da China exigem um cuidadoso acompanhamento do Itamaraty e dos setores de imigração.

Longas jornadas de trabalho, horas extras frequentes, teleconferências de madrugada, vigilância constante dos chefes, metas de produção irrealistas e inegociáveis são algumas das características da gestão empresarial chinesa. Embora reflitam hábitos e práticas existentes na China, o choque cultural tem se traduzido na redução do tempo de permanência dos trabalhadores na empresa. Os chineses não abrem mão de algumas de suas características culturais, entre elas, a administração extremamente centralizada, jornadas longas de trabalho e a falta de confiança. A chamada dupla estrutura de cargos também incomoda os executivos brasileiros. Em algumas empresas chinesas há um executivo chinês exercendo a mesma função de um brasileiro, o que é visto como um sinal de desconfiança. De acordo com informações veiculadas pela Folha de S.Paulo, 42% dos funcionários brasileiros abandonam seus empregos em empresas chinesas no País em um ano.

Enquanto ainda é tempo, o entendimento entre a Fiesp e as centrais sindicais, concentrado na questão da competitividade da empresa brasileira, poderia também voltar-se para essa delicada questão.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP