Título: De repente, o Brasil pode perder riqueza
Autor: Rodrigues, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2011, Economia, p. B6

Para o ex-diretor do BC, o cenário de aversão ao risco pode derrubar o preço das commodities, prejudicando o Brasil

Como o sr. vê o rebaixamento da avaliação dos EUA?

Agora você tem um elemento novo. Mas essa redução é de apenas uma agência. Se tiver mais uma, ou mais duas, aí vai ter mais relevância, porque alguns fundos e seguradoras não podem ter títulos que não sejam AAA na carteira. O papel das agências de rating não é só dar confiança. Em alguns casos, a regulação usa as agências para definir quais são os ativos para ter na carteira. Na maioria dos casos, o título não sai se tiver rebaixamento de apenas uma agência. Então o que aconteceu não é a linha mais apocalíptica. Se vier a Moody""s depois, aí sim, você vai ter impacto quase que direto na venda dos títulos.

Que efeitos imediatos isso pode trazer para os mercados?

Pode ter efeito de aversão ao risco. Mal ou bem, mesmo durante a crise, os Estados Unidos eram e continuam vistos como um lugar seguro. Agora, você vai colocar uma dúvida sobre isso. A confiança não vai desaparecer de uma dia para o outro. Mas é como se as pessoas dissessem: não tenho onde estacionar meu dinheiro sem correr risco hoje. E isso é um problema. Pode gerar uma corrida por ativos que garantam a riqueza das pessoas. Será que a bolsa pode cair? Será que as commodities podem cair, apesar de a China não ter um problema por si só.

E isso influencia o Brasil.

O Brasil tem se beneficiado dos preços das commodities há quase dez anos. De repente, o preço delas cai numa crise. Isso significa uma perda de riqueza para o País. Além disso, nossa bolsa é muito concentrada em commodities. Se a bolsa já estava caindo, pode cair ainda mais, porque o preço do que vende é menor. O efeito pode não ser permanente. Mas a grande pergunta é: o que vai acontecer na semana que vem? E semana que vem a bolsa vai cair.

A China, como maior credora, disse ontem que tem todo direito de exigir saber como os EUA vão lidar com a dívida. Como o sr. vê essa reação?

A China não ajuda muito os mercados dizendo isso. Dá a entender que ela vai parar de comprar títulos americanos. Eles podem vender os títulos, o que eu não acredito. E isso teria duas consequências. A primeira é os juros americanos subirem. Se subirem numa recessão, a coisa complica. A segunda é a pressão quando os mercados abrirem na Ásia. O dólar vai perder valor. Se o dólar cair muito e os títulos perderem muito valor, os chineses vão perder muito dinheiro. Por isso, eles têm de se manifestar comedidamente. Acho que essa frase é o máximo que eles conseguem. Eles estavam calados até agora.

O sr. podia imaginar esse cenário - um dos países mais seguros do mundo ser tirado da lista dos devedores sem risco?

Não é uma história que nasce hoje, mas que nasce com a crise, com a percepção que você tinha exagerado no passado. E uma forma como os governos resolveram o problema foi fazendo mais dívida para evitar a recessão. A dívida já era um problema antes e com a crise ficou insustentável em vários países desenvolvidos. Não adianta passar essa dívida de uma mão para outra. Alguém tem que pagar em algum momento. Na Europa isso chegou ao limite em alguns países. E nos EUA levou a uma discussão difícil, que teve uma resolução pobre, mostrou uma divisão muito grande, politicamente, sobre o que fazer.

O sr. vê risco de rebaixamento em cascata?

Acho que vai rebaixar mais. Se EUA é AA, Espanha e Bélgica não podem ser AA. Vem rebaixamento por aí. E aí, seguradoras e fundos de pensão vão comprar o quê para ser seguros. Outra coisa relevante é que o Banco Central americano saiu com uma nota dizendo que para fins dele não há rebaixamento. O objetivo é tentar salvar um pouco os mercados na segunda-feira.

E salva?

As bolsas vão cair. Mas o pior cenário é se tiver corrida contra os bancos. Se você diz que há rebaixamento dos títulos, todos os bancos do mundo vão estar desenquadrados, os reguladores vão exigir mais capital.