Título: Aqui, talvez o nervosismo dure uma hora
Autor: Rodrigues, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2011, Economia, p. B6

Mendonça de Barros acha que ainda é cedo para mensurar os danos que o rebaixamento da nota dos EUA causará

Os mercados amanhecerão tensos. Isso porque, na noite de sexta-feira, a agência de rating Standard &Poor"s rebaixou, pela primeira vez na história, a nota de avaliação de risco de crédito de longo prazo dos Estados Unidos.

Para o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luiz Carlos Mendonça de Barros, a segunda-feira será turbulenta, inclusive no Brasil. Ele diz, no entanto, que não há motivo para grande preocupação.

Mendonça de Barros diz ainda que o rebaixamento da nota de crédito dos EUA pode servir como "uma bofetada" no governo americano. "Assim como fazemos com as pessoas, é preciso dar uma forte bofetada."

Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

O Brasil vai sentir o impacto da decisão da Standard & Poor"s de rebaixar a nota dos EUA?

Temos de ir devagar com o andor. Qualquer coisa que for dita agora vai ser especulação. A decisão da Standard & Poor"s ainda tem que ser qualificada. Ela tem uma dimensão positiva para os Estados Unidos.

Dimensão positiva?

Os Estados Unidos sempre tomam a decisão correta. Antes de tomá-la, no entanto, optam por todos os caminhos errados. Esse rebaixamento é histórico. Por isso, há uma importância enorme na decisão. Vou usar uma expressão forte: os Estados Unidos vivem hoje um momento de histeria política. E, para curar a crise histérica, assim como fazemos com as pessoas, é preciso dar uma forte bofetada. O rebaixamento da nota pode representar justamente essa bofetada e amenizar a crise histérica americana.

O senhor quer dizer que o rebaixamento da nota pode servir como vetor para que os EUA tomem o caminho certo para a solução dos seus problemas?

Pode ser que sim. Os Estados Unidos são divididos ao meio. Metade é de republicanos. A outra metade é de democratas. Os dois lados precisam se sentar e tratar a questão fiscal do país com a devida seriedade. E essa questão fiscal só poderá ser resolvida no longo prazo. Com a fraqueza econômica atual nem é possível fazer esse ajuste no curto prazo. Todo esse assunto é muito complexo. Não é só um assunto econômico, mas político. Novamente, vou falar uma expressão forte: isso é algo crítico para a sobrevivência dos EUA como grande potência.

Mas é possível mensurar qual será o reflexo desta questão no mercado brasileiro?

Sinceramente? Vai começar com uma grande especulação e vai terminar em nada. Hoje de madrugada os mercados asiáticos já estarão nervosos. Vai ser o samba do crioulo doido. Mas, aqui, talvez seja um nervosismo que dure uma hora. Quem aplica no Tesouro americano vai vender os títulos e fugir pra onde? E quem tem dólar, vai vender e comprar o quê? Libras? Não há nada de igual dimensão. Não há ativo para trocar.

Então o senhor acredita que teremos uma turbulência na segunda-feira, mas, em seguida, as coisas voltarão ao normal?

Sim, será uma segunda-feira de turbulência. Podemos ter até grande turbulência. Os especuladores vão aproveitar a situação para mexer com o mercado. Venderão dólar, entrarão em ouro. As cotações terão alterações. Mas isso, talvez, não demore muito mais que uma ou duas horas.

Não há motivo para pânico?

Estamos falando de um problema conhecido. A discussão sobre a elevação do teto da dívida americana ocorreu por dois, três meses. O mercado sabia o que poderia acontecer. Havia até chances de ser pior...

Mas é possível que essa turbulência impacte nas decisões brasileiras? Como o aumento ou recuo da taxa Selic no Brasil.

A economia americana está enfraquecida. O mundo está desacelerando. Portanto, essa desaceleração vai descomprimir a inflação brasileira. Mas só isso não é suficiente. Também dependemos da economia nacional. E, se os fatores convergirem, daí sim o Banco Central pode frear a alta nos juros ou até iniciar uma curva de queda.