Título: A vingança das agências de risco
Autor: Chade, Jamil ;Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2011, Economia, p. B1-5

As agências de classificação de crédito estão se aproveitando dos problemas financeiros do país para aumentar o seu poder político. E querem se assegurar de que os órgãos reguladores não reduzam sua autonomia e influência.

A estratégia que adotaram é brilhante. Não se juntaram de uma vez no rebaixamento da nota dos Estados Unidos. Agora o policial malvado foi a Standard & Poor"s, que lançou o primeiro ataque contra o país na sexta-feira passada e viu sua influência confirmada pela dramática reação das bolsas. A Moody"s e a Fitch estão fazendo o papel do policial camarada - preferindo a contenção no caso de um rebaixamento, mas mostrando sua força ao criticar o governo publicamente ou nos bastidores.

As agências de classificação têm o governo federal à sua mercê. Se as autoridades ignorarem as suas advertências, elas podem lançar um ataque fulminante com rebaixamentos adicionais que acabarão com a confiança no governo e provocarão uma elevação das taxas de juro. E a rotina de trabalho desses policiais é especialmente potente, porque um rebaixamento por duas das três maiores agências de classificação pode ter consequências negativas como, por exemplo, exigir que alguns emissores de títulos ofereçam uma garantia adicional.

A partir dos anos 70, estatutos e regulamentos têm determinado que emissores de dívida obtenham uma nota que prove a sua solvabilidade. Um oligopólio de agências usou esse poder para controlar efetivamente o acesso ao sistema financeiro. Uma simples ameaça de rebaixamento da nota por uma dessas agências pode fazer com que linhas de crédito desapareçam, e poucas pessoas, dentro e fora de Washington, ousam contestar a hegemonia delas.

Mas a crise financeira comprometeu a posição privilegiada que elas mantinham. Políticos e analistas as acusaram de negligência, se não até de cumplicidade com os emissores de títulos, camuflando os riscos e enganando os investidores às vésperas da crise das hipotecas de alto risco. Na lei Dodd-Frank, que prevê uma reforma de Wall Street, sancionada há um ano, mas ainda não plenamente em vigor, se ameaçou com a introdução de regulamentos e uma fiscalização sem precedentes do sistema.

Com base na lei, as agências poderão ser responsabilizadas civilmente em processos envolvendo valores mobiliários se as suas classificações foram inexatas. E a lei também desafiou o predomínio do oligopólio, estabelecendo que a Comissão de Valores Mobiliários estudasse a viabilidade de ter uma organização independente de seleção das agências de classificação para títulos lastreados em ativos, em vez de os emissores de títulos se encarregarem dessa seleção e pagarem as agências, como é o caso hoje.

Mas o oligopólio reagiu, primeiro pela desobediência civil. Para escapar de uma potencial responsabilidade, as agências ameaçaram congelar os mercados de títulos lastreados em ativos, recusando-se a permitir que suas classificações fossem citadas nos registros da Comissão de Arquivos Mobiliários. A Comissão cedeu e suspendeu a regra. Iniciaram então uma campanha de guerrilha nos bastidores fazendo lobby para anular iniciativas da comissão para implementar outros dispositivos da lei Dodd-Frank.

O rebaixamento feito pela Standard & Poor" s levou esse impasse para um confronto aberto. Os políticos serão tentados a recuar e permitir que as agências não se submetam a regras muito severas, desde que não rebaixem mais a nota da dívida federal. Embora essa estratégia possa dar aos Estados Unidos um pouco de fôlego no curto prazo, o governo não deve ceder a tal extorsão. Em vez disso, as autoridades devem aceitar o rebaixamento e colocar a casa em ordem, uma vez que o país corre o risco de ficar arruinado se os desequilíbrios orçamentários continuarem. Por outro lado, não devem esquecer o papel das agências de classificação na crise, de modo a permitir que essas monitoras da capacidade creditícia voltem a trabalhar da maneira como atuavam antes da crise, com suas classificações negligentes e cegas às fraudes. / TRADUÇÃO TEREZINHA MARTINO

É COLUNISTA DO "NEW YORK TIMES"