Título: Alemanha deve ditar solução para a crise do euro
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2011, Economia, p. B8

Para Soros, maior país da Europa deve assumir suas ""responsabilidades"" pois está no ""assento[br]do motorista""

ENTREVISTA

George Soros, megainvestidor

O megainvestidor George Soros, dono de uma fortuna de US$ 14 biliões, defende que a Alemanha conduza o processo de saída da crise do euro. Ele responsabiliza o governo alemão pelo estágio atual da crise. Leia os principais trechos da entrevista:

Estamos assistindo a uma crise bancária, uma crise de moeda e uma crise de dívida soberana. O dilema financeiro terá ficado grande demais para ser abordado? Como os políticos de ambos os lados do Atlântico poderiam resolver todas essas crises?

Os políticos não tentaram resolver nenhuma crise; até agora eles só tentaram ganhar tempo. Às vezes, porém, o tempo trabalha contra nós se nos recusamos a enfrentar as questões relevantes e explicar ao público o que está em jogo.

Está falando dos alemães? Muitos especialistas acham que a chanceler Angela Merkel se mostrou particularmente hesitante em enfrentar a crise do euro.

Estou. O futuro do euro depende da Alemanha. Esse é o ponto aonde quero chegar. A Alemanha está no assento do motorista porque é o maior país da Europa, com a melhor classificação de crédito e um superávit crônico. Numa crise, o credor sempre toma as decisões mais importantes. O fato é que os alemães estão hoje em posição de ditar à Europa qual a solução para a crise do euro.

Por que Berlim deveria adotar essa ideia?

Simplesmente não há qualquer alternativa. Se o euro se desintegrar, isso causaria uma crise bancária que fugiria totalmente ao controle das autoridades financeiras. Assim, isso empurraria não só a Alemanha, não só a Europa, mas o mundo inteiro a condições muito parecidas com as da Grande Depressão dos anos 1930.

Um número crescente de economistas, especialmente na Alemanha, gostaria de ver a Grécia fora da UE. O senhor considera isso uma opção viável?

Acho que o problema grego foi tratado de maneira tão equivocada pelas autoridades europeias que essa poderá perfeitamente ser a melhor solução. A Europa, o euro e o sistema financeiro poderiam sobreviver à saída da Grécia. Poderiam sobreviver à saída de Portugal. E o restante ficaria mais forte e mais facilmente administrável.

A crise atual é mais grave que a de 2008?

Essa crise é ainda a continuação da mesma crise. Em 2008, o sistema financeiro desmoronou e teve de ser mantido em vida artificial. As autoridades conseguiram salvar o sistema. Mas os desequilíbrios que causaram a crise não foram removidos.

O que quer dizer?

O método que as autoridades escolheram corretamente há três anos foi substituir o crédito do Estado pelo crédito do sistema financeiro que desmoronou. Após a quebra do Lehman Brothers, os ministros das finanças europeus emitiram uma declaração que não seria permitida a falência de nenhuma instituição financeira sistemicamente importante. Esse foi o apoio à vida artificial; foi a decisão correta. Mas depois a chanceler Merkel declarou que esse apoio só seria concedido por cada Estado-membro da UE individualmente, e não pela UE.

Isso enfraqueceu o conceito de uma resposta forte à crise?

Essa declaração de Merkel foi a origem da crise do euro. Ela destroçou a visão de que a UE protegerá o euro.

Onde a crise atual terminará? Até a França parece hoje ameaçada de um derretimento.

Ela certamente está se espalhando. Os mercados temem a incerteza. A Alemanha precisa perceber que não tem alternativa senão defender o euro.

Os Estados Unidos estão afundados em mais dívida até que os europeus. A recuperação americana tem sido penosa. Será que veremos um duplo mergulho recessivo nos EUA?

O endividamento dos EUA não é tão alto assim, mas se um duplo mergulho recessivo era uma dúvida algumas semanas atrás, ele é menos duvidoso agora, porque os mercados financeiros têm uma maneira muito segura de prever o futuro. Eles o causam. E os mercados decidiram que os EUA vão ver uma recessão, particularmente depois do recente rebaixamento dos EUA pela agência de classificação de crédito Standard &Poor"s.

Obama tentou estimular o crescimento com um programa gigantesco de estímulo, que aumentou ainda mais a dívida nacional. Foi um erro?

Obama adotou as ideias de John Maynard Keynes. Basicamente, a análise de Keynes ainda é muito importante - com uma grande diferença entre agora e os anos 30. Nos anos 30, os governos praticamente não tinham dívidas e podiam arcar com déficits. Hoje, todos os governos estão pesadamente endividados e isso faz uma grande diferença. /TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK