Título: Um contágio de ideias ruins
Autor: Décimo, Tiago
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2011, Economia, p. B6

Os descaminhos dos EUA jogaram um importante papel no desencadeamento dos problemas europeus

A Grande Recessão de 2008 se transformou na recessão do Atlântico Norte. São principalmente a Europa e os Estados Unidos que ficaram atolados em crescimento lento e alto desemprego. E são a Europa e os Estados Unidos que estão marchando para o desenlace de uma grande débâcle. Uma bolha estourada acarretou um grande estímulo keynesiano que evitou uma recessão muito mais profunda, mas que também alimentou déficits orçamentários substanciais. A resposta - cortes maciços de gastos - assegura que níveis inaceitavelmente altos de desemprego continuarão por anos.

A União Europeia se comprometeu a ajudar seus membros financeiramente abalados. Ela não tinha escolha. Com o turbilhão financeiro ameaçando se espalhar de pequenos países - como Grécia e Irlanda - para grandes - como Itália e Espanha -, a sobrevivência do euro estava cada vez mais ameaçada. Os líderes da Europa reconheceram que as dívidas dos países encrencados se tornariam intratáveis a menos que suas economias pudessem crescer.

Mas, ao mesmo tempo em que os líderes europeus prometiam que essa ajuda estava a caminho, eles insistiam na crença de que os países que não estavam em crise precisavam cortar gastos. A austeridade resultante obstruirá o crescimento da Europa, e com isso o das economias abaladas.

As discussões antes da crise ilustraram o quão pouco foi feito para corrigir fundamentais econômicos. A veemente oposição do Banco Central Europeu (BCE) ao que é essencial a todas as economias capitalistas é a evidência da fragilidade do sistema bancário ocidental.

O BCE argumentou que os contribuintes deviam pagar a conta toda da dívida soberana ruim da Grécia, temendo que algum envolvimento do setor privado (PSI, na sigla em inglês) desencadearia um "evento de crédito", que obrigaria grandes pagamentos de credit default swaps (CDSs), possivelmente alimentando um novo turbilhão financeiro. Mas, se esse é um medo real para o BCE, ele devia pedir que os bancos tenham mais capital. Da mesma forma, o BCE devia ter barrado os bancos do arriscado mercado de CDS, no qual eles ficam reféns das decisões de agências de classificação de crédito.

E as coisas estão pouco melhores no outro lado do Atlântico. Aqui, a extrema direita ameaçou fechar o governo americano, confirmando o que a teoria dos jogos sugere: quando os que estão irracionalmente comprometidos com a destruição não se confrontarem em seu caminho com indivíduos racionais, os primeiros prevalecem. Por conseguinte, o presidente Barack Obama aquiesceu numa estratégia desequilibrada de redução da dívida, sem nenhum aumento de impostos.

Os otimistas dizem que no curto prazo o impacto do acordo para aumentar o teto da dívida americana e impedir o default será limitado. Mas a redução dos impostos retidos na fonte (que colocará mais de US$ 100 bilhões nos bolsos dos americanos comuns) não foi renovada, e com certeza as empresas, antecipando os efeitos contrativos futuros, ficarão ainda mais relutantes em emprestar.

O fim do estímulo em si é contrativo. E com os preços dos imóveis ainda em queda, o crescimento do Produto Interno Bruto vacilando, e o desemprego permanecendo teimosamente alto, é preciso mais estímulo, e não austeridade. O motor isolado mais importante do aumento do déficit é a arrecadação fiscal fraca em virtude do fraco desempenho da economia; o melhor remédio isolado seria colocar a América para trabalhar de novo. O recente acordo da dívida vai na direção errada.

Os descaminhos financeiros dos Estados Unidos jogaram um importante papel no desencadeamento dos problemas europeus, e o tumulto financeiro na Europa não seria bom para os Estados Unidos. Mas o problema real deriva de outra forma de contágio: ideias ruins cruzam facilmente as fronteiras, e noções econômicas equivocadas em ambos os lados do Atlântico vêm se reforçando mutuamente./TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK