Título: Indústria tem prejuízo com quedas de energia
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2011, Economia, p. B9

Pequenas interrupções, que duram alguns segundos, no fornecimento de energia incomodam empresas, que pedem mudanças na regulamentação

O aumento do número de blecautes na rede elétrica deixou de ser um problema doméstico e já afeta os cofres das grandes indústrias. Para esses consumidores, uma simples interrupção de segundos pode representar prejuízos de milhões de reais. Além de paralisar por horas a linha de produção, os "picos" de luz reduzem a vida útil de máquinas caras e sensíveis às oscilações da energia.

"Montamos um grupo de trabalho para tratar esse assunto que está perturbando as empresas", afirma o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa. O objetivo é criar mecanismos que protejam o setor produtivo dos prejuízos causados por essas pequenas ocorrências. Hoje interrupções inferiores a três minutos não são consideradas na formação dos indicadores de qualidade da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Em outras palavras, as concessionárias não são punidas por essas quedas, mesmo que sejam constantes. De uns quatro anos pra cá, a qualidade da energia entregue à sociedade brasileira entrou num perigoso ciclo de deterioração. Mesmo com as multas aplicadas às concessionárias, que agora são obrigadas a reembolsar o consumidor pela falta de luz, os indicadores estão longe de reverter a tendência.

Mas, ao contrário dos pequenos consumidores que podem reclamar possíveis prejuízos, as empresas não têm direito a reembolsos em caso de equipamentos queimados ou prejuízos na produção. "Uma máquina que era para durar entre 15 e 20 anos acaba durando 3 anos por causa do vaivém da energia elétrica, e não podemos fazer nada", lamenta o gerente de Projetos da Unigel, Jeferson Roque dos Santos. Ele comenta que, nos últimos meses, a empresa chegou a ter até três interrupções no mesmo dia, o que representa enormes custos não só para a companhia mas também para o País.

Qualquer queda de tensão desliga todo o processo produtivo. Um "pisca" de cinco segundos, por exemplo, provoca o mesmo estrago que uma queda de 10 minutos, explica o gerente de energia da Braskem, Gustavo Checcucci. O grande drama, relata ele, é que numa indústria o processo produtivo pode demorar até um dia para ser reativado depois do religamento da luz. E não adianta ter gerador próprio. Depois que o equipamento sofre alguma interrupção, o resfriamento é instantâneo.

"Numa residência, se a geladeira é danificada por causa da energia elétrica, o consumidor pode pedir o ressarcimento. A indústria, por sua vez, tem de arcar com os prejuízos. E não é pouco." Para o executivo, hoje o número de interrupções é bem maior que três anos atrás.

Numa grande siderúrgica do País, que prefere não se identificar, o número de interrupções numa única unidade quase triplicou de 2006 para cá, de 16 para 42 quedas no ano. Em 2011, até abril, os pequenos desligamentos somavam 15.

A analista de planejamento da Votorantim, Gisele Carolina Astorgas Viveros, também confirma a piora. No início, conta ela, a empresa decidiu fazer uma varredura nas instalações para verificar se o problema estava dentro da fábrica ou se a deficiência era das concessionárias que prestam o serviço. Depois do diagnóstico, a companhia entrou em contato com as distribuidoras, mas sem sucesso. Gisele destaca que o quadro mais delicado está nas unidades instaladas no Nordeste, onde as quedas são ainda mais frequentes que no Sudeste.

Até o fim do mês, a Abrace vai entregar à Aneel proposta de regulamentação que reflita a realidade da indústria. Uma das reivindicações é a criação de indicador de qualidade para o consumidor de alta tensão.