Título: Fragmentado, governo italiano enfrenta a crise
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2011, Economia, p. B1

Corte de gastos preocupa o governo Berlusconi, tanto por afetar o apoio popular quanto por atingir interesses de grupos aliados

O governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi resolveu trabalhar nas férias de agosto na tentativa de encontrar uma solução definitiva para o déficit orçamentário da Itália até 2013, como prometeu fazer na semana passada, desde que o país entrou na mira da crise da dívida.

Mas resta ver se o governo, uma mistura de interesses de grupos que se mantém unido graças a um líder que odeia dar más notícias, terá a vontade política de adotar as vastas mudanças reguladoras que nunca tentou antes da crise.

Com a Itália observada de perto pelos mercados e pelo Banco Central Europeu, que esta semana concordou em comprar parte de sua dívida em troca de mudanças no mercado de trabalho, os especialistas afirmam que este é o momento que determinará o futuro político e econômico do país.

"O governo de centro-direita de Berlusconi, acostumado a passar por cima dos problemas e a prometer reformas que nunca cumpre, agora está encurralado", escreveu o colunista político Stefano Folli no jornal econômico Il Sole 24 Ore, na quarta-feira.

Naquele dia, o governo se reuniu pela segunda vez em uma semana com os sindicatos e com as lideranças empresariais para discutir mudanças, como cortes nas pensões e aumentos dos impostos, mas nenhuma proposta concreta saiu do encontro. Na Itália, como na maioria dos países europeus, essas medidas exigem um acordo entre o governo e estes chamados parceiros sociais.

Ferruccio de Bortoli, editor-chefe do jornal mais importante da Itália, Corriere della Sera, escreveu que "desta reunião depende nada menos que o futuro do país".

Entretanto, depois do encontro, líderes sindicais e o presidente da federação italiana das indústrias disseram estar profundamente decepcionados com a incapacidade do governo de apresentar propostas concretas, uma semana depois de Berlusconi anunciar que buscava um amplo consenso para fazer mudanças radicais no mercado de trabalho e no sistema de Seguridade Social.

Pressionados pelos mercados, na semana passada, Berlusconi e o ministro das Finanças, Giulio Tremonti, anunciaram que a Itália reduziria seu déficit orçamentário de 3,9% do PIB, previsto para este ano, para zero até 2013, e não 2014, conforme planejado num pacote de US$ 70 bilhões de aumentos de impostos e cortes de gastos aprovado pelo Parlamento no mês passado.

É uma promessa impossível de ser cumprida. "Nem mesmo Deus Todo-poderoso sabe" o que o governo proporá para equilibrar o orçamento até 2013, disse Mario Baldassarri, um economista formado no MIT e presidente da Comissão de Finanças do Senado, que rompeu com a coalizão de Berlusconi no ano passado.

Com uma dívida pública superior a 120% do PIB e um crescimento previsto de 1%, os custos políticos prometem ser bem altos.

Corte de aposentadorias. Encontrar uma solução provavelmente implicará subverter a ordem social, cortando as aposentadorias e elevando os impostos, ou subverter a ordem política, cortando gastos públicos ligados aos grupos de interesse que atualmente mantêm Berlusconi no poder.

"Esse se tornou o governo das irmandades. Mudar essa situação constituirá um esforço tremendo", afirmou o economista Stefano Micossi, professor do Conselho de Europa e diretor da Assonime, um grupo de pesquisa das empresas privadas italianas. "Ele (Berlusconi) não compreende o mercado, ele compreende os interesses."

Berlusconi chegou ao poder em 1994, depois de um enorme escândalo de suborno que provocou o colapso da ordem política estabelecida, na qual a democracia cristã, os socialistas e os comunistas presidiam há décadas um sistema de troca de empregos por votos que ajudou a inflar o setor público. Desde que retornou ao poder em 2001, Berlusconi manteve em grande parte intacto o sistema profundamente arraigado no país, afirmam os analistas, mas substituiu a antiga ordem política com os partidos de sua coalizão. Para cada concessão à Liga do Norte, que apoia Tremonti e batalha para manter a receita fiscal nas regiões, Berlusconi também teve de conceder uma migalha ao Sul, que é a região mais pobre da Itália.

Mesmo depois da onda de privatizações na década de 90, a economia do país ainda depende em grande parte do setor público, particularmente em áreas lucrativas como a da infraestrutura e da saúde, e esses contratos dependem de boas conexões com o governo.

"Esse sistema usava os gastos públicos como compensação, como instrumento na mediação de conflitos entre os interesses", disse Micossi. "Também esmaga o estímulo do mercado", acrescentou. "Esses subsídios estatais são o beijo da morte, e nada ocorre." Além disso, ajudaram a elevar a dívida pública, que cresceu de 109% do PIB em 2001, para 120% hoje. (A centro-esquerda ficou no poder de 2006 a 2008.) "A maioria de Berlusconi reflete um eleitorado que não incorporou" os princípios do livre mercado, afirmou Carlo Secchi, professor de Economia e ex-presidente da Universidade Bocconi de Milão. "Portanto, você só pode fazer algumas coisas para seguir nesta direção correta se existe uma grande ameaça externa."

Esta semana, a imprensa italiana divulgou uma carta do presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, e do presidente do Banco da Itália, Mario Draghi, ao governo Berlusconi, recomendando que a Itália empreenda importantes mudanças estruturais, liberalizando a indústria estatal e tornando mais flexível o mercado do trabalho.

Segundo a imprensa, as propostas que o governo está discutindo incluem a elevação da idade para a aposentadoria de imediato para 65 anos, e não gradativamente, o corte da ajuda às prefeituras e o aumento dos impostos sobre a propriedade de segundas casas. Em 2008, Berlusconi se reelegeu com uma campanha na qual prometia acabar com os impostos sobre a propriedade das segundas casas - e cumpriu a promessa. Reverter isto ajudaria os cofres do Estado, mas representaria considerável derrota política. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA