Título: Empresas estão menos expostas ao risco cambial
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2011, Economia, p. B6

Apesar de endividamento total das empresas ter crescido 54% desde 2008, parcela em moeda estrangeira caiu de 33,4% para 23,2%

Os prejuízos milionários causados pelas operações de derivativos cambiais e o fechamento do mercado de crédito na crise de 2008 incentivaram as empresas a reduzir a exposição no mercado externo. Exemplo disso é que, apesar de o endividamento total das companhias ter crescido 54% de 2008 pra cá, a participação da dívida externa no volume total caiu de 33,4% para 23,2%.

Isso significa que muitas empresas preferiram pegar dívida em moeda local, mesmo com a tentação dos juros extremamente baixos no exterior. É claro que, se houver uma deterioração no mercado mundial, essa mudança no perfil de endividamento passará despercebida e as empresas sofrerão os solavancos da variação cambial, como em outras épocas.

Os dados fazem parte de um levantamento feito pela empresa de informação financeira Economática, com 196 companhias negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&F Bovespa). Só foram consideradas empresas que informaram o endividamento em moeda estrangeira nos dois períodos (2008 e 2011). Além disso, para não distorcer o resultado, o trabalho excluiu dados dos bancos, Vale e Petrobrás. Sozinha, a estatal elevou em 142% a dívida em moeda estrangeira de 2008 para cá - de R$ 30 bilhões para R$ 73,5 bilhões.

O valor é superior ao endividamento em dólar de todas as 196 empresas consideradas no levantamento, que somaram R$ 73,3 bilhões. "Se o dólar não disparar por causa da crise (desencadeada com o rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos, na semana passada), a situação das companhias em relação às dívidas é confortável", afirma o presidente da Economática, Fernando Exel, responsável pelo levantamento.

Ele se refere ao indicador que mede a capacidade das empresas honrarem seus compromissos. Até março, a dívida em dólar representava 80% do lucro das empresas, antes de juros e impostos (Ebit). Quando analisado o endividamento total, esse número aumenta para 3,3 vezes o lucro. Ainda assim, Exel avalia que o índice está dentro da zona de conforto.

Para economistas, de fato as empresas estão mais preparadas do que em 2008. Com o crescimento econômico do País, especialmente por causa do consumo interno, as empresas estão com caixa mais robusto. Apesar disso, ninguém se arrisca a traçar cenários e dizer que elas estão livres de um contágio. A crise, que eclodiu no início da semana e derrubou as bolsas mundiais, parece ser mais grave do que a de 2008, mas ainda não mostrou todos os seus lados.

Na opinião do professor de finanças da BBS Business School, Ricardo Torres, tanto as empresas quanto o País estão numa posição melhor. "Mas se o dólar disparar para R$ 1,90 ou R$ 2, por exemplo, a situação das companhias fica mais complicada." Além disso, sempre há alguma empresa que já estava em situação delicada antes mesmo de a crise explodir.

Isso sem contar que, apesar da média mostrar queda na participação da moeda estrangeira no volume total de endividamento, há empresas que, mesmo reduzindo a fatia em dólar, ainda estão bastante expostas. Na lista da Economática, estão Fibria, com 75% da dívida em moeda estrangeira (já foi 88%); Embraer, 73%; e Souza Cruz, 80,9%. Em compensação, o setor de construção é um dos menos endividado em dólar. Dos R$ 23 bilhões de débitos, só R$ 95 milhões estão em dólar. As empresas de energia elétrica ainda têm um montante elevado de dívida externa (cerca de R$ 18 bilhões), mas bem menor que no passado. Em 2008, a participação da dívida em moeda estrangeira no total era de 32%. Hoje é de 18,4%.

De acordo com economistas, a crise atual é bem distinta da vivida três anos atrás. Naquela época, um dos principais problemas foi o fechamento do mercado para captações. Quem precisava de dinheiro tinha as portas dos bancos fechadas para novos empréstimos ou renovação. "Por enquanto, o mercado não está fechado. Só estão cobrando um prêmio maior do que antes. Além disso, o dólar continua em patamar baixo (sexta-feira fechou em R$ 1,61, com queda de 0,25%). Quem se endividou em 2010 ainda está ganhando", afirma César Lauro, diretor e sócio da Capitânia.

Um aprendizado das empresa, que teve origem nos problemas vividos em 2008, foi tentar alongar o perfil da dívida. Boa parte das captações no exterior foram feitas com prazos de dez anos, diz o vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Alberto Kiraly. "Não há uma concentração muito grande de vencimentos nos próximos meses."

Com base nos dados do Banco Central (BC), que inclui todas as empresas (de capital aberto e fechado) e bancos, calcula-se que haja cerca de US$ 16 bilhões vencendo até dezembro. Por mês, daria uma média de US$ 3,2 bilhões. "Pela geração de caixa das companhias, não acho que seja um problema", afirma Torres, da BBS Business School.

Os economistas são enfáticos em dizer que, mesmo que haja maior dificuldade para captar no exterior, as companhias poderiam usar o mercado doméstico. Os prazos seriam mais curtos e as taxas maiores. Mas não haveria enxugamento drástico de liquidez. Tudo isso, é claro, se não houver quebra de bancos na Europa que, novamente, reduza o volume de dinheiro no mercado.