Título: Ninguém quer ser um herói morto
Autor: Cardoso, William ; Alves, Cida
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2011, Metrópole, p. C1

Juiz teve colega assassinado, mudou de área, mas diz que não se arrepende

O ambiente tenso e a rotina de restrições afetam toda a família do magistrado sob ameaça. No Espírito Santo, o filho caçula do juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, de 43 anos, não sabe o que é viver sem ter um segurança por perto. Ele tinha só 2 anos quando assassinaram o colega de trabalho de seu pai, o juiz Alexandre Martins de Castro Filho, em 2003. Na época, os dois investigavam grupos de extermínios.

Wilton Junior/AE-2/2/200824 horas. Oliveira dormiu três meses em um fórum e até os amigos tem de visitar com escolta Lemos está afastado do combate ao crime organizado desde 2006, mas segue ameaçado. "Faria tudo de novo. Mas, se eu te disser que não tenho medo, estarei mentindo. Ninguém quer ser um herói morto", diz. Ele conta que depois da morte de Castro Filho muitos juízes recusaram o convite para substituí-lo, seguindo pedido de suas famílias, que tinham medo de represálias.

Pai de uma adolescente de 13 anos e de um menino de 10, que não saem sozinhos, Lemos só viaja com a família na companhia de policiais. "O mesmo grupo que matou o Alexandre continua me enviando ameaças e elaborando planos para me assassinar. Já tentaram sequestrar a minha mulher na porta do prédio e a vida da minha família é toda limitada."

Para ele, a personificação do trabalho dos juízes expõe os profissionais. "Não tem de ser o juiz Carlos Eduardo no combate ao crime organizado, mas a Justiça como um todo", diz.

No Amazonas, o juiz estadual Mauro Antony é sempre lembrado quando o assunto é ameaça de morte. Ele e a família vivem há dois anos sob escolta de policiais militares. Antony foi o juiz que condenou todos os envolvidos na suposta quadrilha comandada pelo ex-deputado estadual Wallace Souza, morto em 2010.

Perigo. Em alguns casos, são detalhes que livram da morte um juiz que vive sob ameaça. Em 2005, o portão entreaberto da garagem de um hotel em Ponta Porã (MS), na fronteira com o Paraguai, foi o sinal de que a vida de Odilon de Oliveira corria risco.

Agentes da PF notaram nesta "fresta anormal" a diferença em relação à rotina dos dias anteriores e encontraram, na rua, pistoleiros que estavam prontos para atirar. Os bandidos fugiram, mas escutas confirmaram que o assassinato estava marcado para aquela hora e local.

Oliveira, hoje com 62 anos e na 3.ª Vara de Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, mandou mais de uma centena de traficantes para a cadeia, já teve sob sua jurisdição Fernandinho Beira-Mar e está sob proteção policial há 13 anos. Na sua vida não faltam histórias inusitadas, como os três meses em que dormiu em um fórum, protegido por oito agentes da PF. Segundo ele, a vida de um inimigo do crime organizado causa "constrangimentos". "Fica difícil ir à casa de um amigo, porque vou com escolta armada. Em alguns casos, é preciso levar fuzil. Há uma limitação total", afirma.

Só dois meses de escolta. Em situação semelhante estão as juízas de Ponta Porã (MS) Lisa Taubemblatt e Lidiane Maria Oliva Cardoso. Com Odilon, os três magistrados de Mato Grosso do Sul são responsáveis pela condenação de quase 2 mil acusados de narcotráfico, contrabando, e os chamados crimes do colarinho branco, nos últimos três anos.

O risco de morte que as cerca foi constatado no início deste ano, pelo Serviço de Inteligência da Polícia Federal, mas as escoltas duraram menos de dois meses. "A justificativa para o cancelamento foi a de que o perigo já havia passado ou redução no efetivo policial, não me lembro bem", diz Lisa Taubemblatt. "Não há como considerar-me fora de perigo. Estou aqui, eu e a doutora Lidiane, em uma sala que fica bem na frente do presídio masculino, onde estão criminosos perigosos, de grande poder aquisitivo", afirma.

Em Mato Grosso, dois juízes foram ameaçados de morte no início deste ano, o que fez com que o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Segurança concedessem escolta policial a eles. Para os magistrados, houve outra consequência: perderam a residência fixa.

Já no Nordeste, dois juízes e dois promotores sofreram ameaças do crime organizado de Alagoas. Por um certo tempo, os ameaçados tiveram proteção por 24 horas. / COLABORARAM TIAGO DÉCIMO, LIEGE ALBUQUERQUE, RICARDO RODRIGUES, JOÃO NAVES DE OLIVEIRA, FÁTIMA LESSA, LUCIANO COELHO e ANTÔNIO CARLOS GARCIA, ESPECIAL PARA O ESTADO