Título: Mercosul e estabilidade institucional
Autor: Barral, Welber
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2011, Economia, p. B5

Quando o Tratado de Assunção foi assinado, em 1991, um de seus objetivos era "coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais" (Art. 1). Se o texto parece hoje excessivamente ambicioso, é quase alucinado imaginar que esses objetivos poderiam ser alcançados em quatro anos, como previa o art. 3, com a consolidação do mercado comum.

Em 1994, os Estados Membros do Mercosul reconheceram as dificuldades para implementar esta coordenação, e aprovaram uma fase intermediária (a união aduaneira), por meio do chamado Protocolo de Ouro Preto.

Desde então, o grande desafio para os países do Mercosul é a consolidação institucional e normativa. Assuntos pontuais e quase irrelevantes - como a sistemática de certificação de brinquedos, por exemplo - demonstram a dificuldade em harmonizar políticas comerciais distintas, e são fontes recorrentes de conflitos. Ultrapassar estes temas depende de um alto nível de vontade política, nem sempre harmônico no presidencialismo centralizador que caracteriza as repúblicas do bloco.

Mas o tema em que a consolidação institucional está seguramente mais distante é o da harmonização tributária. O complexo sistema tributário brasileiro pune a produção local e ressalta as vantagens de se produzir no exterior. Além disso, a falta de sintonia entre tributos federais e interesses estaduais cria vácuos normativos que beneficiam produtos importados, ou que permitem a elisão fiscal por meio de estruturas societárias dispersas.

As oportunidades para elisão ou para fraudes repercutem nas relações no Mercosul. Na ausência de um código aduaneiro comum, as liberações de mercadorias importadas seguem sistemáticas diversas. Na ausência da atualização das classificações fiscais, um produto pode ser "mercosulizado" com pouca agregação de valor local. Diante da sobrecarga tributária brasileira, um produto pode se beneficiar ao passear, inexplicavelmente, por um mercado vizinho.

Se há investimento brasileiro, ou mesmo transferência de parque fabril, para outros países do Mercosul em razão de vantagens competitivas, isto não necessariamente é ruim para a economia nacional. O investidor pode estar buscando energia barata no Paraguai, gás a preços competitivos na Argentina ou mão de obra qualificada no Uruguai. O resultado será maior integração das cadeias produtivas regionais e maior lucratividade para o investimento brasileiro.

O que está ocorrendo, entretanto, está distante dessa integração positiva. Em vários casos, a criação de empresas nos vizinhos serve apenas para reduzir o imposto sobre a renda, e o trânsito de insumos e peças configura apenas a tentativa de elidir a longa e incompreensível lista brasileira de tributos. Para mitigar este efeito, não há outra solução que retornar às origens do Tratado de Assunção, e assumir - com vontade política suficiente - a necessidade de coordenação macroeconômica.

É SÓCIO DA BARRAL M JORGE CONSULTORES E EX-SECRETÁRIO DE COMÉRCIO EXTERIOR DO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO