Título: Falta de lideranças é obstáculo à recuperação
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2011, Economia, p. B15

Sensação geral é de que muito pouco foi feito depois de 2008, quando eclodiu a crise

Se parte da ameaça de recessão está de fato ligada ao endividamento dos governos, outro obstáculo tem sido a falta de liderança política para promover reformas profundas, mas altamente impopulares.

"Nos últimos anos, desde a quebra do Lehman Brothers, o que temos visto é que líderes políticos têm feito remendos para solucionar problemas e têm tido sérias dificuldades para tomar decisões que representem soluções reais", disse António Farinha, sócio gerente da Roland Berger Strategy Consultants.

Segundo ele, as reformas feitas até hoje, internas ou pelo G-20, não passaram de medidas para "ganhar tempo". "Os temas principais da agenda internacional continuam sem solução."

Internamente, negociadores que participam das reuniões do G-20 também têm a sensação de que pouco foi feito desde 2008, quando os líderes prometeram "refundar o sistema financeiro internacional". "Isso não ocorreu", alerta um negociador.

Jean Arthuis, presidente da Comissão de Finanças do Senado francês e ex-ministro, é da mesma opinião. Para ele, a Europa e outros governos apenas reagiram a episódios da crise, sem uma estratégia, e isso levou à nova crise. "O máximo que se conseguiu foi chegar a acordos para ganhar tempo. Agora, esse tempo se esgotou."

Segundo ele, a ação dos bancos não foi reformada, a especulação continua, a pressão de investidores sobre governos é cada vez maior e até a soberania de alguns Estados parece fragilizada diante dos ataques que sofrem nas bolsas. "Com eleições em vista, fica difícil para governos tomar em decisões impopulares", disse Farinha. Num total, mais de 50 países passarão por algum tipo de eleições no próximo ano, inclusive o Brasil.

O debate do déficit americano acabou sequestrado pela lógica das eleições nos Estados Unidos em 2012, o que provocou até mesmo a ira da China. Na Europa, o presidente francês Nicolas Sarkozy conduz sua resposta à crise com base em sua estratégia para as eleições no próximo ano. Rússia, Espanha e Índia também terão eleições e a oposição vem usando a crise para obter votos.

"As eleições reforçarão a volatilidade nos mercados", prevê Farinha. Mesmo sem eleições gerais, a chanceler Angela Merkel também leva em consideração a aliança em seu governo ao tomar posições duras contra a ajuda a países em dificuldade.

Mas, para economistas, a falta de ação pode ser ainda mais prejudicial. Há poucos dias, um grupo de 13 dos principais economistas europeus enviou uma carta à Comissão Europeia alertando claramente que, se nada fosse feito de forma mais profunda, o pior dos cenários deveria ser esperado: uma falência do projeto da moeda comum.

"Essa é uma carta aos líderes europeus implorando para que tomem ações decisivas. Qualquer novo adiamento pode marcar o fim da zona do euro como nós a conhecemos", alertaram os economistas. Para o grupo, visões apenas de curto prazo poderão ser "fatais" para qualquer "esperança de recuperação".

Crise. Os dados divulgados na semana passada revelam que a economia está à beira de uma nova recessão. A zona do euro teve uma queda em sua produção industrial em junho. A França chegou a ter sua economia estagnada no segundo trimestre. George Osborne, ministro de Finanças do Reino Unido, anunciou a redução da expectativa de crescimento da economia britânica neste ano, de 1,8% para 1,5%.

"O Reino Unido enfrenta um pouco mais que apenas dificuldades locais", afirmou Peter Dixon, economista do Commerzbank. "Há uma desaceleração da economia mundial e uma queda na demanda doméstica. Isso é uma combinação tóxica."

Na Alemanha, motor da economia europeia, a produção industrial sofreu sua pior queda em 21 meses e as novas encomendas tiveram a primeira contração em mais de dois anos.

No Japão, os resultados mostram uma situação econômica pior do que se imaginava. A queda de produção em junho foi de 1,7%, em parte por causa do tsunami. Isso obrigou o governo japonês a rever para baixo sua projeção de crescimento. A expansão prevista, de 1,5%, na melhor das hipóteses ficará em 0,5%.

Na economia americana, a atividade no setor industrial também teve seu pior rendimento desde julho de 2009. A expansão dos EUA também foi decepcionante no primeiro semestre. Depois de uma estagnação no período, a expansão foi de apenas 1,3% na segunda parte do semestre.