Título: Não acredito que Europa e EUA caiam em recessão
Autor: Leopoldo, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2011, Economia, p. B9

Investidor diz que Fed e autoridades europeias vão impedir taxas negativas, porém prevê recuperação lenta nos próximos 2 anos

ENTREVISTA - Mark Mobius, presidente do Templeton Emerging Markets Group

Mark Mobius, presidente do Templeton Emerging Markets Group, responsável pela gestão de US$ 50 bilhões em ativos, dos quais US$ 5 bilhões são aplicados no Brasil, não acredita que os EUA e Europa entrarão em recessão. Ele pondera que as autoridades econômicas vão tomar medidas para evitar que o nível de atividade registre taxas negativas, embora considere que devem registrar fraca expansão nos próximos dois anos.

Em entrevista exclusiva para Agência Estado, Mobius avalia que apesar desse cenário, os preços de commodities devem continuar em alta no longo prazo. Leia os principais trechos da entrevista:

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também avaliou que os EUA e a Europa estão próximos da recessão. A recessão nos EUA e Europa é inevitável?

Não acredito que haverá recessão nos EUA, é uma possibilidade muito improvável. O Fed disse de forma muito clara que não vai permitir um aumento de taxa de juros nos próximos dois anos e vai continuar a oferecer dinheiro para o mercado. No caso da Europa, também não acredito que haverá recessão. Assim que terminarem as férias de verão, as autoridades locais vão trabalhar em três áreas: primeiro eles vão impor à Grécia, Portugal, Espanha e outras nações reformas substanciais para mudar a forma como o governo administra as contas públicas. Uma segunda questão será fortalecer o Fundo Europeu de Estabilização que tem US$ 500 bilhões para comprar títulos de governos dos países da região. Eles também vão reavaliar o sistema de regulação dos mercados para aumentar a arrecadação tributária.

O que mudou com a crise recente?

O que é novo é que durante a crise do subprime o dólar dos EUA e os Treasuries eram os refúgios mais procurados por investidores no mundo. Na crise atual, o dólar e as treasuries enfraqueceram na avaliação de investidores internacionais, inclusive devido ao downgrade dos EUA pela Standard & Poor"s. Os investidores estão muito confusos, pois não têm a segurança do passado. Contudo, eles estão avaliando que os mercados emergentes têm baixo nível de dívida pública como proporção do PIB e possuem alto nível de reservas cambiais. Os Credit Default Swaps de muitos países emergentes, que é uma espécie de seguro para títulos soberanos, têm taxas menores do que os de países desenvolvidos. Este conjunto de fatores serão muito analisados pelos investidores de agora em diante, pois muitos deles vão se mover na direção dos mercados emergentes para diversificar ainda mais suas carteiras. Isso não vai ocorrer da noite para o dia, pois há muita incerteza nos mercados internacionais, mas vai acontecer.

Mas se os EUA e Europa vão escapar da recessão, eles devem registrar taxas de expansão baixas nos próximos anos. Certo?

Exatamente. Contudo, aconteceu algo importante. O presidente Barack Obama anunciou recentemente talvez uma das medidas mais importantes desde que ele assumiu o cargo. Ele informou que o governo dos EUA vai reduzir um grande número de normas que impactam as empresas naquele país. Ele está dizendo que finalmente as autoridades reconhecem que há uma razão porque as companhias não estão contratando pessoas naquele país. É que há uma enorme burocracia e regulação que atrapalham a expansão das empresas, especialmente as pequenas e médias.

O senhor está preocupado com a saúde dos bancos europeus?

Isso é uma questão que passa pela confiança dos clientes sobre o desempenho dos bancos. Se elas ponderam que os bancos serão capazes de honrar seus compromissos no futuro próximo não haverá problema. Como avalio que as autoridades s vão agir para continuar comprando títulos de países da região, não acredito que os bancos passarão por dificuldades.

Muitos investidores estão esperando o QE 3 ser anunciado pelo presidente do Fed, Ben Bernanke. O senhor está entre eles?

O QE 3 já está ocorrendo. Bernanke disse de forma transparente que o Fed vai prover toda liquidez necessária para que o sistema financeiro dos EUA funcione normalmente. É claro que ele não disse que isso é QE 3, pois receberia reclamações de que o Fed está injetando liquidez em demasia pelo mundo e isso elevaria a inflação global. Então, ele não chama de QE 3, mas é exatamente o que está ocorrendo.

Como o senhor avalia o Brasil em meio à crise mundial?

O Brasil está numa posição muito favorável. O País tem tudo que precisa: boa agricultura, riquezas minerais, o mercado de trabalho registra pleno emprego. O único problema que enfrenta hoje é a inflação, o que não é tão ruim assim, pois o câmbio está muito forte. Isso provoca efeitos negativos às exportações, mas ajuda no combate aos preços altos.

O ministro Guido Mantega disse que para enfrentar a crise, o governo vai usar uma política monetária mais ativa, com queda de juros e de compulsórios, caso a inflação permita, e continuar o corte de gastos correntes. Qual é a sua avaliação sobre esta posição do ministro?

O comentário é maravilhoso. Os investidores vão gostar e ficar mais confiantes com a gestão macroeconômica do País com essa estratégia. Acredito que o Brasil tem plenas condições de crescer 4% neste ano e no próximo. O que poderia ajudar na expansão do País ser ainda maior é o aumento da mão de obra especializada, com ampliação dos estabelecimentos educacionais e menor burocracia para as empresas poderem investir mais.

Com o cenário de manutenção do crescimento do Brasil, qual é a sua avaliação sobre a tendência do câmbio nos próximos 12 meses?

Acho que o câmbio deverá continuar neste atual patamar, pois estou certo que se ocorrer mais movimentos de valorização do real ante o dólar o governo certamente vai agir com vigor para contê-los.