Título: Analistas veem País órfão de oposição
Autor: Manzano, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2011, Nacional, p. A8

Concentração de denúncias contra o primeiro escalão pôs a corrupção na ordem do dia, mas partidos não conseguem capitalizar

Ministros do governo de Dilma Rousseff são afastados por irregularidades, autoridades aceitam favores de empresários, bens públicos são usados para fins particulares, lideranças aliadas se atacam em público na briga por cargos ou verbas. A concentração de denúncias contra o primeiro escalão do governo, nas últimas semanas, colocou a corrupção na ordem do dia ­ mas, para surpresa até do Planalto, a oposição não cresce nem aparece.

"Os eleitores oposicionistas estão órfãos, o País está anestesiado. Vivemos uma anomia política, com uma sociedade civil invertebrada. A indignação contra a corrupção é pequena e, quando ocorre, tem prazo de validade curto", resume o historiador Marco Antonio Villa, da UFSCar. "Mas quando temos uma oposição que depende do escândalo para aparecer, já temos um problema grave", completa outro estudioso dos partidos nacionais, Jairo Nicolau, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), no Rio.

A insatisfação dos eleitores, admitem acadêmicos e políticos, corre hoje por fora dos canais partidários e isso é mais do que explicável: aos poucos, os partidos estão deixando de ser o desaguadouro dessas causas. Se eles funcionassem, podia-se esperar mais valentia, ou pelo menos mais barulho, de um bloco que faturou 44 milhões de votos presidenciais em 2010, comanda nove Estados e controla 1.276 prefeituras no País.

Há uma Frente Suprapartidária Contra a Corrupção, formada no Senado, que vem se destacando pela enorme falta de impacto. ONGs e associações civis, divulgam manifestos e reuniões pela internet, mas é pouco.

Uma explicação óbvia, para muitos, é que a economia vai bem, apesar do tenso cenário internacional. A crise política enfrentada por Dilma conviveu, na semana passada, com dados sobre a queda do desemprego a taxas mínimas nas grandes cidades, aumentos reais para os trabalhadores, e a pioneira privatização de aeroportos.

Erros do passado. Mas a economia não resolve tudo. Em momentos econômicos diversos, o País se rebelou nas CPIs contra Fernando Collor (1992), contra os Anões do Orçamento (1993) e na crise do mensalão (2005). Por isso, muitos estudiosos preferem entender a fraqueza da oposição como resultado de seguidos erros cometidos ao longo do tempo. Celso Roma, da USP, vê uma combinação de equívocos do PSDB com estratégias inteligentes do PT ­ a começar pelo abandono do radicalismo de esquerda na Carta aos Brasileiros, em 2002, e pela ocupação das bandeiras tucanas a partir de 2003. "A oposição não tem discurso convincente perante o eleitorado, por seus próprios erros de conduta", diz. "Depois de perder apelo entre os eleitores, no final da era FHC, o programa do partido foi relegado a segundo plano por seus candidatos e filiados."

O sociólogo José Arlindo de Souza, da Universidade Federal da Paraíba, considera o grande entrave a falta de competência dos oposicionistas. "Os líderes dos dois principais partidos de oposição não têm estofo para incluir nas discussões mudanças substantivas no plano parlamentar e mobilizar a sociedade", avalia. "A oposição age de forma reativa, muito mais em função dos atropelos do governo. Não com um conjunto de propostas que se tornem símbolos na sociedade."

Limites. Como José Arlindo, Marco Villa cobra qualidade: é preciso ter bandeiras e isso exige discussão ideológica, mas o primarismo das lideranças impede que esse debate ocorra. "Qual o programa mínimo, político? E o econômico? Como criar e mobilizar bases partidárias?" Nas contas dele, "essa falta de combatividade vem desde 2003". "Estamos falando de quase nove anos sem oposição consistente."

Essa consistência, diz Jairo Nicolau, dependeria de um trabalho sério, que a oposição não fez. "Ela não criou alternativas de longo prazo, não delimitou seu terreno. Não formou quadros", considera. "O PSDB é um partido desconectado de bases sociais. Isso o obriga a esperar por um escândalo, um grande erro do governo, um súbito candidato talentosos, para se revigorar."

Hoje, no entanto, "os escândalos não são mais monopólios da oposição", segundo Nicolau. "Quem os comanda são a Polícia Federal, a CGU (ControladoriaGeral da União), o Ministério Público." Nem a fraqueza é só da oposição: "O debate eleitoral é uma pobreza. Um campeonato de quem promete construir mais hospitais e escolas".

Mas não se pode esquecer a História, adverte Nicolau. No governo FHC, o PT passou longo tempo com uma base parlamentar pequena e sem nada conseguir. Foram 17 anos até 2002. Em 2014, os tucanos vão completar 12 anos nessa situação.