Título: Esporte decide manter projeto fantasma
Autor: Colon, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2011, Nacional, p. A9

Apesar de cadastro de torcidas não ter saído do papel, ministério diz que está tudo dentro do planejado pelo convênio de R$ 6,2 milhões

O Ministério do Esporte vai insistir no convênio de R$ 6,2 milhões com um sindicato de cartolas do futebol para um projeto da Copa de 2014 que, apesar da liberação do dinheiro há mais de quatro meses, ainda não saiu do papel. Após duas horas de reunião, o secretário nacional de Futebol, Alcino Reis, e o presidente do Sindicato das Associações de Futebol (Sindafebol), Mustafá Contursi, adotaram ontem o discurso de que tudo está dentro do planejado no contrato para o cadastramento de torcidas organizadas. "O convênio foi assinado, celebrado e está mantido", disse Reis.

Diante da falta de resultados até agora, o presidente do Sindafebol avisou que deve pedir a prorrogação do contrato, em vigor até março de 2012. "Nós temos direito de requerer", afirmou Mustafá, que admitiu ao Estado falta de experiência para tocar o projeto.

O dirigente, ex-presidente do Palmeiras, fez questão de avisar que o Sindafebol tem sua parcela de contribuição no convênio. "Não se está disponibilizando recursos para cartolas, porque o sindicato também está contribuindo com sua importância no orçamento", disse Mustafá, sem mencionar que essa contribuição é de cerca de 2% do valor do convênio. De acordo com o contrato, o Ministério do Esporte repassa R$ 6,2 milhões ao Sindafebol, mediante contrapartida de R$ 126 mil dos cartolas.

Reportagem do Estado revelou na quarta-feira que o Ministério do Esporte assinou o acordo com o sindicato dos cartolas em 31 de dezembro, num prazo célere. O dinheiro, segundo o Portal da Transparência do governo, foi todo liberado em 11 de abril. E até hoje nada andou.

Para fechar o contrato, o ministério optou por fazer um convênio, que é assinado sem licitação. Por esse modelo, o governo repassa os recursos a uma entidade, responsável pela subcontratação de prestadores de serviço, seguindo práticas análogas às adotadas pelas pastas da Cultura e do Turismo, alvos de suspeitas de desvios e não execução de metas. "O convênio não é para escapar da licitação. Um convênio é um instrumento previsto na legislação", disse Reis.

O secretário também saiu em defesa da escolha do Sindafebol. Segundo Reis, cabe à entidade de dirigentes decidir quando vai começar a executar o contrato de cadastramento das torcidas. "Consideramos que o convênio cumpriu todas as suas obrigações legais para a devida celebração. Esse convênio está devidamente colocado para se iniciar no momento que o sindicato julgar mais adequado", disse. "Consideramos que, para ter sucesso no cadastramento, era necessário envolver esse público. Portanto, nada mais correto do que fazer o convênio com seu sindicato representativo."

Piloto. Reis e Mustafá se apegam a um projeto-piloto em Curitiba para justificar a demora na execução do contrato. "Após a conclusão desse piloto, a gente pode iniciar a execução desse convênio", disse o secretário.

Esse projeto, porém, não usa recursos do contrato, e vem sendo acompanhado por "representantes" do sindicato dos cartolas. De acordo com os documentos do ministério, o cadastramento "traz em seu contexto que é preciso aproveitar a mobilização nacional para mudar o ambiente social, a cultura e o comportamento que existe em torno do futebol como uma ação de preparação do Brasil para a Copa das Confederações 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014".

TRECHOS DA NOTA DO MINISTÉRIO

O que diz o ministério

"O projeto não é fantasma. Integra o Torcida Legal, que é um conjunto de iniciativas do Ministério do Esporte com o objetivo de conjugar esforços para a implantação de política nacional de segurança e prevenção da violência nos jogos de futebol, conforme previsto no Estatuto do Torcedor. O convênio firmado tem objeto claro e definido, que é fazer o cadastramento das torcidas organizadas no País, conforme previsto na Lei n. 12.299/2010. A operacionalização do convênio depende também da celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), realizado em cada Estado com a participação do Ministério Público, Ministério do Esporte e as torcidas locais

Contraponto

O ministério diz apenas que um documento foi assinado com o Ministério Público. O cadastramento não foi realizado

O que diz o ministério

"O objeto do convênio não tem relação com a Copa. É sabido que é a Matriz de Responsabilidades o documento que relaciona todos os compromissos do Ministério do Esporte com o evento"

Contraponto

Está no extrato oficial do convênio: "O projeto traz em seu contexto que é preciso aproveitar a mobilização nacional para mudar o ambiente social, a cultura e o comportamento que existe em torno do futebol como uma ação de preparação do Brasil para a Copa das Confederações 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014"

O que diz o ministério

Segundo o ministério, o modelo de negócio exclui a necessidade de um processo licitatório. Afirma a nota: "A matéria confunde a figura do contrato com convênio. Neste, o elemento fundamental é a cooperação e não o lucro previsto no contrato. Por sua natureza, a celebração de convênios não é feita mediante licitação"

O que diz o ministério

"A matéria diz que, em 14/12/2010, foi emitido parecer jurídico contrário ao evento. Isso não é verdade. Houve ressalvas de natureza formal a serem observadas pela área técnica, como condição para o regular procedimento do feito. (A matéria) omite a informação principal de que, em 28/12/2010, foi feita manifestação final da Consultoria Jurídica favorável à celebração do convênio, no qual foi consignado que "do ponto de vista jurídico tem-se que a adequação promovida na minuta atende à recomendação desta Conjur" e "não havendo outras diligências ou orientações dessa Consultoria Jurídica a serem atendidas (...) encaminhe-se o presente processo à Secretaria Executiva/ME, para as providências subsequentes"

Contraponto

A informação só foi transmitida à reportagem na nota do Ministério do Esporte

O que diz o ministério

"O jornal faz ilações que não procedem. Cita uma empresa que "seria subcontratada por R$ 3,3 milhões para desenvolver o software de cadastramento, locação de equipamentos entre outras coisas". Tal empresa integra, com outras, o processo na parte referente à coleta de preços e pesquisa de mercado, etapa necessária à formação do preço, base do convênio. E não como empresa já contratada, como deduziram os jornalistas"

Contraponto

O próprio ministério do Esporte informa, num parecer, o sindicato escolheu a empresa que ofereceu o menor preço na cotação

O que diz o ministério

"A Consultoria Jurídica do ministério consignou em seu parecer que a Assessoria Especial de Futebol justificou, fundamentadamente, a opção pelo Sindicato do Futebol como parceiro ideal para figurar no ajuste e tecnicamente capaz de gerir a execução de seu objeto"

Contraponto

O convênio foi celebrado com base em atestado feito pelo próprio sindicato de cartolas