Título: A decisão do Banco Central foi precipitada
Autor: Portela, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2011, Economia, p. B4

Monica Baumgarten de Bolle, professora da PUC-Rio

O corte de 0,50 ponto porcentual da taxa Selic, para 12%, abalou a credibilidade do Banco Central. O movimento levanta questionamentos quanto à autonomia do BC, uma vez que a sinalização antecipando que haveria corte do juro básico veio de representantes do governo, não de diretores do Banco Central, na opinião da economista Monica Baumgarten de Bolle, professora da PUC-Rio.

A decisão é considerada prematura e precipitada pela analista e tem um "forte componente de influência política". A seguir, trechos da entrevista concedida por Monica, que também é diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças (Iepe/CdG) e sócia da Galanto Consultoria, ao AE Broadcast Ao Vivo, da Agência Estado.

Qual é a sua avaliação sobre a decisão do Copom?

Acho que a decisão foi precipitada. Não temos ainda o quadro tão sombrio e nebuloso para a economia internacional que o Banco Central pintou no comunicado após a reunião. Sem dúvida que é um quadro mais difícil, com riscos no horizonte, mas ainda não estamos mergulhando em recessão. A impressão é que o BC voltou três anos no tempo e está vendo cenário de catástrofe igual a 2008, e está difícil para ver de onde isso vem. Não há claramente nenhum cenário de ruptura severa, não. No Brasil, inflação está horrível. Pode ser que caia nos próximos meses, já caiu um pouco em relação ao que estava no início do ano, mas a inflação está alta e os reajustes salariais estão vindo bastante altos. O ano que vem é complicado com aumento do salário mínimo, eleições municipais. Corre-se risco muito grande com a decisão do BC de não ser capaz de chegar nem perto da meta de inflação, nem no horizonte longo com o qual o BC trabalha.

Diante do corte efetuado, quando a inflação pode chegar perto do centro da meta (4,5%)?

Desse jeito? Só se a economia mundial entrar em uma grande recessão, um mundo catastrófico como foi em 2008 e 2009. É apostar muito no cenário externo para te ajudar. Sem isso não dá para ver quando a inflação converge.

A comunicação do BC para antecipar o corte do juro foi adequada?

Não. Acho que a comunicação do governo talvez tenha sido feita adequadamente. As declarações da presidente da República, do ministro da Fazenda, do presidente do BNDES, do ministro do Desenvolvimento, todas anteciparam a decisão do Banco Central. Isso é lamentável.

Estamos vendo um BC sem autonomia, independência?

É difícil não ter esta impressão de que não tem independência nenhuma. O risco disso é voltar a caminhar por estradas que já trilhamos no passado, com um BC que não tem autonomia, não tem independência e que está sendo guiado por outras decisões que passam ao largo do que a política monetária deveria ser. Isso tudo é muito infeliz diante de uma coisa boa que tinha acontecido nos últimos dias. A presidente (Dilma Rousseff) tinha vindo a público e falado sobre o esforço fiscal que o governo pretende fazer. Não os R$ 10 bilhões que o Mantega (Guido Mantega, ministro da Fazenda) anunciou. Isso não é esforço fiscal, é simplesmente não gastar receitas que o governo já teve neste ano.

O que a senhora achou do tamanho do comunicado (4 parágrafos, em comparação ao comunicado anterior de 1 parágrafo)?

Com esse comunicado completamente fora de padrão, uma vez que o padrão usual é sempre bem mais lacônico, o BC tentou se explicar. Tentou dar a entender por que fez isso neste momento, certamente sabendo que pegaria muita gente de surpresa.

Como fica a credibilidade do Banco Central?

A credibilidade do BC fica, infelizmente, muito abalada. Quem de fato deu a sinalização (do corte do juro) não foi o BC. O BC tinha feito alertas sobre economia internacional, disse que estava preocupado como uma eventual recessão mundial bateria no Brasil, havia demonstrado preocupação com a desaceleração do crescimento, mas todo o discurso do BC era perfeitamente compatível com a manutenção da taxa nesta reunião, não queda. Os representantes do governo é que vieram à público dizer que já era hora de o juro cair. Então, não há a menor dúvida de que a credibilidade do BC fica abalada.