Título: Turquia ameaça enviar força naval à costa de Israel
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2011, Internacional, p. A18

Premiê turco diz que reforçará bases que dão acesso ao sul do Mar Mediterrâneo e rompe comércio do setor militar com israelenses

Umit Bektas/ReutersFúria. Erdogan, em Ancara: `Nossos navios serão vistos com maior frequência (perto de Israel)¿ Visivelmente irritado, o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, anunciou ontem o corte de todo o comércio com Israel ligado ao setor de Defesa e ameaçou enviar navios de guerra para perto da costa israelense no Mediterrâneo, colocando as forças navais dos dois países aliados dos EUA sob um clima de forte tensão.

A decisão ocorre menos de cinco dias depois de Ancara expulsar o embaixador de Israel, rebaixando os contatos entre os dois países para o nível de terceiro secretário - um dos postos mais baixos na hierarquia diplomática. Toda a cooperação militar entre os governos também foi rompida e, na segunda-feira, turistas israelenses reclamaram de maus tratos no aeroporto de Istambul.

As medidas foram tomadas pela Turquia diante da recusa de Israel em pedir desculpas pela morte - em mãos de soldados israelenses - de nove ativistas turcos que estavam a bordo da flotilha que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza, interceptada em maio de 2010 pela Marinha israelense.

Na semana passada, uma investigação da ONU concluiu que Israel usou a força "de modo excessivo" contra a embarcação turca. O relatório, porém, reconheceu a legalidade do bloqueio imposto a Gaza. O governo israelense aceitou o resultado do inquérito, mas o gabinete turco irritou-se com as conclusões.

"O sul do Mar Mediterrâneo não é um lugar estranho para nós. Askaz e Iskenderun (bases navais turcas) têm o poder e a chance de efetuar escoltas", afirmou Erdogan ontem. "Claro que nossos navios serão vistos com maior frequência por aquelas águas." Ao mesmo tempo, Erdogan anunciava que negocia com o Egito uma visita a Gaza - em outro movimento que deve ampliar a tensão com Israel.

Momentos antes das declarações do premiê turco, o ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, pediu moderação e diálogo para resolver a crise. "Israel e Turquia são os países mais fortes do Oriente Médio e, em muitos aspectos, os mais importantes. Temos desentendimentos, mas é importante que os dois lados ajam de modo racional. Seria o melhor para todos os envolvidos e para a estabilidade regional", disse.

O único alto funcionário de Israel a se pronunciar após as declarações de Erdogan foi Dan Meridor, vice do prêmie Binyamin Netanyahu. "Lamento que tenhamos chegado a esse ponto. Espero que, no fim, a raiva diminua e a razão prevaleça."

Nos bastidores, a Casa Branca e o Departamento de Estado dos EUA indicaram ontem que estão trabalhando para evitar que o clima entre turcos e israelenses piore ainda mais. A Turquia integra a Otan, tem bases da aliança atlântica e está prestes a assinar um acordo para instalar em seu território radares voltados para o Irã. Aliado histórico de Washington, Israel é um dos principais destinos de ajuda militar dos EUA no mundo.

A porta-voz da diplomacia dos EUA, reconheceu que a crise entre os aliados é motivo de "preocupação". Fontes disseram que funcionários de alto escalão do governo dos EUA, incluindo a secretária de Estado, Hillary Clinton, já estão empenhados em evitar que o distanciamento entre Israel e Turquia cresça.

Aliança estratégica. As relações entre o governo Erdogan e Israel estão abaladas desde 2008, quando o líder turco criticou duramente a ofensiva israelense contra Gaza. Meses depois, ele deixou o presidente de Israel, Shimon Peres, falando sozinho numa mesa de debate no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Turcos e israelenses compartilhavam informações de segurança e inteligência havia cerca de três décadas. A relação diplomática entre os países era considerada um dos principais eixos estratégicos do Oriente Médio. / AP e REUTERS

Para ex-secretário de Defesa dos EUA, "Bibi é um ingrato"

Pouco antes de deixar seu cargo, em julho, o ex-secretário da Defesa dos EUA Robert Gates teria dito ao presidente Barack Obama que o premiê de Israel, Binyamin "Bibi" Netanyahu, era "um ingrato". Gates supostamente reclamou ainda que, apesar dos grandes esforços americanos para garantir a segurança do aliado, o governo israelense "não retribuiu com nada".

Segundo o chefe do Pentágono, Netanyahu colocaria Israel em perigo por ser incapaz de compreender como seu país está se isolando internacionalmente e sofre uma pressão demográfica insustentável com a ocupação da Cisjordânia.

As revelações foram feitas por Jeffrey Goldberg, um dos repórteres mais prestigiados dos EUA, colunista da revista "The Atlantic" e da "Bloomberg View". As informações teriam sido transmitidas ao jornalista por funcionários de alto escalão dos EUA que estavam na reunião em que Gates fez o comentário a Obama.

Os comentários do ex-secretário teriam sido feitos durante um encontro do Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca. Nenhum dos outros participantes do encontro teria discordado de Gates. O chefe do Pentágono supostamente reclamou ainda das críticas de Bibi à venda de armas à Arábia Saudita.