Título: EUA têm exportação recorde de etanol
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2011, Economia, p. B7

Parte do resultado americano deve-se ao aumento das importações do Brasil para conseguir atender o aumento do consumo interno

Enquanto o inferno astral da indústria brasileira de cana-de-açúcar se arrasta há meses, os Estados Unidos não perdem tempo. Em julho, os americanos bateram recorde de exportação de etanol, em parte por causa das encomendas feitas pelo Brasil para suprir o mercado interno. O volume do combustível importado pelo País em julho foi o triplo do verificado no mês anterior (109 milhões de litros ante 34 milhões).

Até o fim do ano, o montante deve crescer ainda mais já que o Brasil tem contratado 1,1 bilhão de litros de etanol dos Estados Unidos. Segundo o diretor técnico da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues, mesmo com a redução da mistura de álcool na gasolina, a importação vai continuar para complementar a oferta interna, que está estagnada. É possível que as compras continuem em 2012.

A medida é uma mudança de paradigma para o País que até bem pouco tempo era visto como o melhor exemplo na produção de biocombustível do mundo. Há cerca de dois anos, falar em importação de etanol de milho, altamente subsidiado pelo governo americano, soava como um sacrilégio. Afinal, o Brasil tinha o melhor produto e a maior oferta do mundo.

Com a liderança, os usineiros brasileiros iniciaram uma forte campanha para transformar o etanol numa commodity. O primeiro passo seria derrubar a tarifa de importação sobre o produto e os subsídios americanos que tornavam inviável a exportação do combustível pelo Brasil. Em julho deste ano, senadores dos Estados Unidos selaram um acordo favorável ao Brasil. Mas não deu tempo.

A crise que se abateu no setor sucroalcooleiro desde 2008 inverteu os papéis. Com o consumo interno elevado e uma oferta restrita, a alternativa foi recorrer ao tão criticado etanol de milho. "Houve uma conjunção de fatores: a crise de 2008 afetou a situação financeira das empresas e as condições climáticas atrapalharam a safra", afirma o diretor-presidente da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool, José Pessoa de Queiroz Bisneto.

Na avaliação dele, o setor precisa de muito investimento para aumentar a produção. A questão é que muitas companhias continuam descapitalizadas, diz o executivo, que tem cinco usinas no Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do País. "O setor precisa de linhas de crédito para retomar os projetos."

Fatia de mercado. Enquanto isso, os Estados Unidos estão ganhando espaço no mercado. Segundo dados do Departamento de Comércio, até julho, o país exportou 2,3 bilhões de litros de etanol para o mundo. Além do Brasil, Canadá, União Europeia e México estão entre as nações que mais elevaram o volume de importação este ano. Os asiáticos também aumentaram as compras dos Estados Unidos.

Para se ter ideia, o mercado brasileiro exportou no ano passado 1,9 bilhão de litros. Este ano, apesar da queda na produção, será enviado ao exterior 1,4 bilhão de litros. Pádua, da Unica, explica que o volume se refere a contratos firmados no passado. "Mas nem tudo é combustível. Tem álcool para perfume e indústria química."

Para especialistas, o Brasil perdeu a grande oportunidade de deslanchar o setor sucroalcooleiro e manter a liderança mundial. "As vantagens que a gente anunciava e se orgulhava não são mais uma verdade no setor", lamenta o consultor da Expressão Gestão Empresarial, Eduardo Pereira de Carvalho, ex-presidente da Unica. Apesar disso, ele acredita que é possível reverter o quadro, já que uma parte da redução da oferta é decorrente de condições climáticas adversas. Mas a retomada dos investimentos é imprescindível para abastecer a frota crescente de veículos que usam bicombustível.

Nas contas da Unica, o setor precisará de R$ 80 bilhões de investimentos nos próximos dez anos para atender à demanda. Isso significa 133 usinas, ou 15 unidades por ano. O problema é que, por enquanto, não há indicação de que os projetos possam se tornar realidade no curto prazo.

PARA LEMBRAR

O Brasil deixou de ser o país com menor custo de produção de cana-de-açúcar do mundo. Austrália, África do Sul e Tailândia já conseguem produzir açúcar a um custo menor. Segundo dados da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), de 2005 para cá, os custos de produção cresceram cerca de 40% - de R$ 42 por tonelada de cana para R$ 60.

Uma série de fatores explicam esse avanço. Alguns deles foram provocados pelo chamado custo Brasil, como a forte valorização do real e a carga tributária elevada, que reduz a competitividade das empresas nacionais. Outros foram criados pela própria expansão do setor sucroalcooleiro, como a falta da mão de obra e rápida mecanização da colheita, que pegou os canaviais despreparados para o processo.