Título: Para a Europa, a união é a solução, e não o problema
Autor: Schroeder, Gerhard ; Delors, Jacques
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2011, Economia, p. B10

É em nome desse projeto bem-sucedido que precisamos agir com ousadia para enfrentar nossos desafios atuais

A Europa se encontra numa encruzilhada. Trata-se de um momento em que os 17 países da zona do euro e os 27 países-membros da União Europeia terão de fazer uma escolha. A zona do euro precisa decidir se vai avançar para uma união fiscal e econômica mais abrangente ou correr o risco de um desmoronamento que ameaçaria a integração europeia.

A União Europeia precisa decidir se vai promover o crescimento, manifestar-se com uma voz única sobre as questões globais e desempenhar o papel global significativo no século 21 ou aceitar que o mundo vai avançar sem nós. Deixar de tomar uma decisão e deixar de agir diante dessas questões fundamentais significará o enfraquecimento da Europa como um todo e dos países-membros individualmente, incluindo os maiores.

É importante enfatizar que, apesar das dificuldades recentes, o projeto europeu tem sido um tremendo sucesso histórico. A integração europeia trouxe paz e estabilidade ao continente num grau inimaginável para a geração anterior. Do ponto de vista econômico, todos saíram ganhando. Para todos os países, a participação na UE representou uma melhoria no padrão de vida, enquanto os países centrais foram beneficiados por um mercado integrado e maior.

Atualmente, com mais de 500 milhões de pessoas, a UE é o maior mercado comum do planeta e também um modelo para outras regiões. É em nome da preservação e do aprofundamento desse projeto bem-sucedido que precisamos agir com ousadia para enfrentar nossos desafios atuais.

Vários membros deste grupo estavam na criação da UE e da sua moeda única. Eles se juntaram ao restante de nós enquanto europeus principalmente para transmitir a mensagem de que uma visão revitalizada de uma Europa integrada é a melhor maneira de sair da atual crise de governabilidade. Nada poderá ser resolvido por uma mentalidade nos moldes de norte versus sul, nós contra eles. Enquanto isso, nossa preocupação com a crise fiscal se dá à custa de uma pauta mais ampla para a UE. Seja na política externa, na energia, na imigração ou nos planos para estimular o crescimento e a criação de empregos, muitas prioridades têm sido ignoradas.

Para uma liderança europeia visionária, não existe tarefa maior do que tentar responder com honestidade às dúvidas e ansiedades dos cidadãos europeus que se sentem desconectados e alienados dos processos abstratos em Bruxelas. A visão da Europa que vai triunfar é aquela que conseguir inspirar o envolvimento dos seus cidadãos, cuja fé num futuro europeu está abalada.

Uma abordagem visionária que inspire confiança em vez de dúvidas precisa incluir medidas de curto prazo, além de metas para o médio e longo prazos. As medidas necessárias no curto prazo só serão críveis se houver claras garantias de que as medidas de médio e longo prazos também serão implementadas.

1. Um Fundo Europeu. No curto prazo, o contágio do mercado precisa ser contido. Assim, a rápida implementação da decisão de 21 de julho, permitindo aos dispositivos estabilizadores intervir com medidas de precaução, é de importância fundamental. Além disso, as dimensões dos dispositivos existentes devem ser ampliadas. Até 2012, tais dispositivos devem ser transformados num Fundo Europeu completo.

2. Capitalização adequada do setor financeiro. A zona do euro deve garantir que os bancos atualmente afetados pela falta de capital contem com uma capitalização adequada, seja até por meio da participação do setor privado.

3. Uma união fiscal responsável. Tornou-se claro que uma união monetária desprovida de alguma forma de federalismo fiscal e política econômica coordenada não vai funcionar. Os Estados terão de partilhar certas dimensões de soberania com uma entidade central europeia que teria a capacidade de destinar recursos arrecadados no nível federal a bens públicos de toda a Europa. Além disso, um instrumento comum de endividamento europeu, os eurobonds, devem ser criados. O pacto de estabilidade e crescimento se mostrou insuficiente. Para garantir uma disciplina fiscal capaz de proteger o público de políticas irresponsáveis de algum governo, a zona do euro precisa de um sistema de controle eficaz e robusto. Embora as regras devam ser claras, a diversidade em toda a zona do euro exige flexibilidade no cumprimento dessas regras.

4. Solução ordenada para o endividamento. Mecanismos para uma solução ordenada da dívida devem ser estabelecidos tanto para obrigações públicas quanto privadas, no caso de surgirem insolvências impossíveis de ser administradas. Na busca pelas reformas estruturais e de austeridade fiscal necessárias para restaurar o crescimento no médio e longo prazos, devemos tomar cuidado para não prejudicar a frágil recuperação atual no curto prazo.

5. Crescimento e emprego. A austeridade é necessária, mas não é suficiente. Para ser competitiva no mundo globalizado, a Europa precisa de uma ambiciosa "pauta para o crescimento e a criação de empregos". Uma estratégia de crescimento deve incluir um uso eficiente dos recursos da UE para estimular o crescimento e a criação de empregos na periferia, bem como programas para reforçar a pesquisa e o desenvolvimento, as habilidades profissionais e o ensino superior. Até o momento, a Europa ficou muito aquém das metas da Pauta de Lisboa. Na ausência de uma estratégia desse tipo, a tentação do nacionalismo econômico vai ganhar força.

6. Pacto social. Um dos principais desafios da Europa será um contínuo ajuste do pacto social para reconhecer novas realidades e preservar este pilar fundamental do modelo social europeu. Os sistemas de previdência devem ser preparados para receber o impacto de uma população cada vez mais velha.

7. A Europa enquanto participante fundamental nas questões mundiais. A relevância e a força geopolítica da Europa está diretamente correlacionada à força da UE. Sem uma União robusta e integrada, os países europeus enfrentam uma influência geopolítica cada vez menor. Será necessário estabelecer a visão de uma federação que vá além de um mandato econômico e fiscal, incluindo políticas comuns para segurança, energia, clima, imigração e relações exteriores, bem como desenvolver uma narrativa comum sobre o futuro da união e do seu lugar no mundo. Isto é um desafio para os 27 países-membros da União Europeia.

8. Cidadãos engajados. Essas medidas só podem avançar de maneira coordenada se tiverem um amplo engajamento. O processo de aprofundamento da integração deve ser liderado por um Parlamento, uma Comissão e um Conselho que contem com o apoio ativo dos cidadãos europeus. Estes se tornarão mais envolvidos por meio de processos democráticos quando o Parlamento contar com poderes ainda mais amplos.

A crise atual é ao mesmo tempo uma questão da mais absoluta urgência e também uma oportunidade. Agora os cidadãos europeus esperam que seus líderes se afastem da elaboração diária de medidas contra a crise e passem a preparar a UE para os desafios do século 21. Apoiar a integração europeia não é uma questão de solidariedade, e sim de interesse próprio. É hora de lidar com as grandes questões para que possamos preservar o equilíbrio entre liberdades individuais, economia de mercado e sistemas de proteção social na Europa. Para nós, a única solução é uma maior integração europeia, e não o contrário. / TRADUÇÃO AUGUSTO CALIL

TONY BLAIR FOI PRIMEIRO-MINISTRO DA GRÃ-BRETANHA; JACQUES DELORS FOI PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA; GERHARD SCHROEDER FOI CHANCELER DA ALEMANHA