Título: Mesmo sem explicar vídeo, Jaqueline Roriz escapa de cassação na Câmara
Autor: Bresciani, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2011, Nacional, p. A8

Plenário livra deputada que aparece em gravação recebendo maço de dinheiro de Durval Barbosa, delator do mensalão do Distrito Federal

A Câmara dos Deputados absolveu ontem a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) da acusação de quebra de decoro. Foram 265 votos favoráveis a ela, 166 pela perda do mandato e 20 abstenções. Eram necessários 257 votos para tirar Jaqueline da Casa. Para os parlamentares, o vídeo de 2006 no qual ela aparece recebendo um pacote de dinheiro do delator do mensalão do DEM, Durval Barbosa, não representou irregularidade. O principal argumento da defesa é que, naquela época, a filha do ex-governador Joaquim Roriz ainda não era deputada.

A gravação em que Jaqueline aparece recebendo dinheiro foi divulgado em março em primeira mão pelo portal do Estado. Com base nisso, o PSOL pediu ao Conselho de Ética a abertura de investigação contra a deputada. Aquele colegiado decidiu por 11 votos a 3 recomendar a cassação da parlamentar. No plenário, porém, o voto secreto e o quórum baixo ajudaram a salvar o seu mandato.

Durante o dia, dezenas de manifestantes protestaram pedindo a cassação. Faixas foram espalhadas por Brasília para tentar sensibilizar os deputados. Jaqueline chegou à Câmara pouco antes das 17 horas e utilizou uma entrada em um túnel no anexo I da Casa para escapar das perguntas dos jornalistas.

A sessão foi iniciada às 17h30, com uma hora e meia de atraso. Mesmo assim, somente 310 deputados tinham registrado presença e menos de 100 estavam no plenário quando o relator, Carlos Sampaio (PSDB-SP) foi à tribuna explicar aos colegas o seu parecer. Outra amostra da pouca atenção dispensada pelos deputados ao caso foi que somente seis se inscreveram para falar sobre o caso.

Corporativos. Entre os parlamentares prevaleceu o discurso do medo espalhado pela defesa de Jaqueline. Os deputados acabaram absolvendo a colega para se proteger da possibilidade de no futuro virem a ser alvos de processos por fatos praticados antes do início do mandato.

O advogado de Jaqueline, José Eduardo Alckmin, foi o responsável pela aposta nessa tese da impossibilidade de se punir fatos anteriores ao mandato. "O que se quer é que todos os fatos da vida de um parlamentar possam ser julgados", disse o advogado.

A própria deputada usou a sessão que definiu seu futuro para falar na Casa pela primeira vez sobre o episódio. Frustrando as expectativas, porém, ela não entrou no mérito do caso. Jaqueline preferiu atacar a imprensa. "Lamentavelmente vivemos um período em que parcela da mídia devora a honra de qualquer pessoa". Fez ataques também ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que a denunciou na semana passada. Para ela, o processo deveu-se a "absoluto interesse político".

Em seu pronunciamento, Jaqueline tentou dar um tom emocional ao caso. Citou até o problema de um filho que sofre de hemofilia. Terminou seu discurso pedindo aos colegas que não a condenassem de forma "sumária". Ela foi embora da Câmara antes do término da votação.

O relator tentou rebater a defesa argumentando que o fato só foi conhecido em 2011 e, portanto, teria de ser encarado como novo. "O ato indecoroso existe para que possamos extirpar do parlamento aquele que praticou ato contra o parlamento. Isso só pode ser discutido no momento em que o fato veio à luz."

Sampaio citou que a própria Jaqueline pediu em 2009 a condenação de uma colega quando esteve diante de uma situação similar na Câmara Legislativa do Distrito Federal, que cassou Eurides Brito por ter aparecido em vídeo recebendo dinheiro de Durval. Na ocasião, Jaqueline foi à tribuna e chamou a colega de "cara de pau" e "mau caráter".

A última vez que a Câmara cassou um deputado foi no escândalo do mensalão, em 2005. Naquela ocasião, foram cassados Roberto Jefferson (PTB), José Dirceu (PT) e Pedro Correa (PP).

REAÇÕES

Jaqueline Roriz Deputada, PMN-DF

"Vivemos num período em que parcela da mídia sai destruindo, devorando a honra de qualquer pessoa que se ponha diante dela, qualquer que seja a razão. Nada que se alegue em defesa da vítima é seriamente considerado, porque o que é relevante é a execração pública e não o julgamento justo e imparcial"

Carlos Sampaio (PSDB-SP) Autor do relatório que pediu a cassação

"Se viéssemos a saber no dia de hoje que um parlamentar, no ano de 2002, por imagens de vídeo, praticou pedofilia, que ele matou, que ele estuprou, o que esta Casa ia dizer à sociedade? Que pode conviver conosco? Em hipótese alguma!"

Vilson Covatti Deputado, PP-SC

"Se não há uma lei para julgarmos uma colega, não seremos nós que vamos inventar essa lei hoje. Não somos tribunal"

Erika Kokay Deputada, PT-DF

"Vamos cobrir esta Casa com o manto cínico da impunidade, ou vamos dar uma resposta?"

Chico Alencar Deputado, PSOL-RJ

"A defesa não defende o indefensável. Daqui a pouco, as televisões, com seu grande poder de inserção, vão exibir cenas de corrupção explícita. E a defesa diz que isso não é questão, não vamos entrar no mérito, apenas no período em que isso aconteceu. Ora, a conduta pública vale permanentemente"

PARA ENTENDER

Pivô do caso deu R$ 50 mil

No dia 4 de março, o portal do Estado divulgou um vídeo em que a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) e seu marido, Manoel Neto, aparecem recebendo R$ 50 mil de Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do governo do Distrito Federal. Barbosa foi o delator do esquema conhecido como mensalão do DEM.

A gravação foi feita em 2006 pelo próprio Barbosa e pode ser vista no endereço www.estadao.com.br/e/jaquelineroriz.

Após a revelação, o Conselho de Ética da Câmara abriu um processo por quebra de decoro contra Jaqueline. Em sua defesa, a deputada alegou que os recursos eram caixa 2 de campanha.

Na sexta-feira, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, denunciou Jaqueline ao STF e pediu a condenação da deputada.

Além de Jaqueline, o ex-governador José Roberto Arruda também foi flagrado em um vídeo recebendo R$ 50 mil de Barbosa. Arruda disse que o dinheiro seria usado para comprar panetones. O chamado mensalão do DEM é resultado das investigações da operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal. O esquema de desvio de recursos públicos envolvia empresas de tecnologia para o pagamento de propina a deputados da base aliada.