Título: 40 mil contra a corrupção
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2011, Cidades, p. 27

Organizada pela internet, marcha convocou brasilienses a manifestarem a insatisfação do povo brasileiro com os recentes escândalos políticos. A absolvição da deputada Jaqueline Roriz deu força para o crescimento do movimento

Os militares que participaram ontem do tradicional desfile de Sete de Setembro dividiram a atenção do público com um movimento apartidário contra a corrupção. Enquanto homens e mulheres das Forças Armadas marchavam sob olhares atentos de políticos de todo o Brasil, na outra faixa do Eixo Monumental¿sentido Catedral/Rodoviária¿, milhares de pessoas pediam mais moralidade na política. Vestidos de preto e munidos de apitos, narizes de palhaço, faixas de protesto e bandeiras com as cores verde e amarela, os manifestantes mostraram a insatisfação com os responsáveis por gerir o país.

A Marcha contra a Corrupção¿como o movimento foi batizado¿ começou tímida. No horário marcado para iniciar a concentração, às 9h, apenas 1,5 mil pessoas estavam postadas ao lado do Museu da República. Aos poucos, o grupo foi ganhando reforço. Teve até gente que deixou de lado o momento cívico para engrossar o coro de insatisfação contra deputados, senadores, governadores e ministros. Os integrantes do protesto exigiam a aplicação da Lei da Ficha Limpa e a votação do projeto de lei que trata a corrupção como crime hediondo, além do voto aberto em decisões no Congresso Nacional. Segundo estimativa da PM, 40 mil pessoas participaram da marcha. À tarde, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que o número não teria passado de 12 mil.

O mais recente episódio envolvendo o nome de um parlamentar suspeito de praticar ilegalidades contribuiu para a marcha ganhar força. Muitos dos que se dispuseram a sair de casa no feriado manifestaram indignação com a absolvição da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN), flagrada, em 2006, recebendo R$ 50 mil das mãos do delator da Caixa de Pandora, Durval Barbosa. No último dia 30, ela se livrou da cassação por quebra de decoro no plenário da Câmara ao ser considerada inocente por 265 colegas. Apenas 166 votaram a favor da perda do mandato.

Vassouras, água e sabão por mais moralidade na política nacional

No carro de som, emprestado pela Associação dos Advogados de Brasília, uma faixa dava o tom crítico do movimento: "Jaqueline: 265 deputados. Brasil: 190 milhões de brasileiros". Outra, mais bem humorada, estampava: "Kadafi, não importa seu passado. No Brasil, você pode ser deputado". "Criei esse evento por meio das redes sociais porque já estava farta de tanta corrupção. A absolvição da Jaqueline Roriz foi a gota d" água", comentou Luciana Kalil, profissional autônoma e uma das idealizadoras do movimento.

Antes da absolvição da deputada apenas 5 mil pessoas haviam confirmado presença no evento por meio de uma página criada em um site de relacionamentos. Depois do episódio, 26 mil internautas aderiram à marcha e o número de integrantes da comissão organizadora passou de cinco para 40. "Nossa intenção não é atrapalhar o desfile nem causar confusão. Somos pacíficos e apartidários. Queremos apenas mostrar nossa insatisfação", completou Luciana.

Faxina geral Durante a caminhada, os manifestantes lavaram simbolicamente a fachada de alguns ministérios que passaram recentemente por turbulências. O prédio da pasta do Esporte foi o primeiro a receber a faxina. Em seguida, foi a vez de o Ministério da Agricultura ser alvo de água, sabão e vassouras. Nem o calor de 31,t4º C e a umidade relativa do ar em 11% afastaram o público. Até idosos, como a aposentada Graça Carvalho, 60 anos, compareceram ao ato anticorrupção. Acompanhada da amiga Ana Lúcia Walker, 56, Graça comentou a falta de ética dos representantes do povo. "Estamos indignadas com a corrupção em nosso país. Temos a mesma disposição dos jovens para protestar", disse. Ana Lúcia fez coro. Para ela, se cada um fizer sua parte, o Brasil pode mudar para melhor. "Não podemos ficar parados. Chega de roubalheira."

Carregando uma faixa com os dizeres "Cuidado! Bandida solta em Brasília", a pedagoga Karla Ramalho, 23 anos, disse estar de luto. "O preto tomou conta do verde e do amarelo no Sete de Setembro. Espero que esse seja apenas o primeiro passo para criarmos uma consciência política capaz de mudar a história do nosso país por meio de atitudes diárias", afirmou Karla.

Sem apoio político

Organizadores da Marcha contra a Corrupção afirmam que alguns políticos ofereceram patrocínio ao evento, mas nem um centavo foi aceito. Ontem, um grupo de manifestantes chegoua se desentender com filiados do Partido Socialismo e Liberdade (PSol) que empunhavam bandeiras da legenda. O bate-boca só acabou depois que os partidários do PSol deixaram o local.