Título: Ajuda do câmbio para conter preço dos comercializáveis deve acabar
Autor: Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2011, Economia, p. B1

Na sexta-feira, o dólar fechou a R$ 1,68 e deve ultrapassar R$ 1,70 no curto prazo por causa da crise externa

O câmbio, que segurou a inflação nos últimos tempos, não deve ajudar a conter os preços dos produtos comercializáveis, como alimentos, eletrônicos, artigos de higiene e limpeza daqui para frente.

Ao lado da forte pressão acumulada nos preços dos serviços, a valorização do dólar é mais um fator de preocupação no cenário inflacionário porque joga a favor da elevação de preços dos bens de consumo. Essa reversão que vem ocorrendo com a moeda americana desde julho fica nítida neste momento em que a inflação está se espalhando por vários setores da economia.

Na sexta-feira, o dólar fechou cotado a R$ 1,68, refletindo o agravamento da crise na Europa e o fraco crescimento econômico mundial. Com isso, a moeda americana ampliou em 5,46% o ganho no mês em relação ao real e passou a ficar positiva no ano em 1,02%. Já se cogita no mercado que o câmbio passe de R$ 1,70 no curto prazo por causa da deterioração do ambiente externo.

Alimentos. O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, adverte para o impacto da alta do câmbio na inflação, principalmente nos preços dos alimentos, que são a maior parte do IPCA.

Segundo ele, apesar de todos os problemas nas economias desenvolvidas, os preços dos alimentos devem continuar elevados no Brasil porque as cotações internacionais das commodities agrícolas em dólar estão em alta, com a China e a Índia, grandes consumidores de alimentos, indo às compras.

Mas ele destaca uma nova pressão nesse setor: o câmbio. "Os alimentos vão continuar em alta, agora forçados pelo câmbio", afirma Mendonça de Barros. Na sua avaliação, a intervenção do governo no mercado cambial, que colocou poder de arbítrio total na mão do Conselho Monetário Nacional (CMN), na prática significa que o dólar não deve ficar abaixo de R$ 1,50 sob quaisquer condições.

Com isso, pelo menos no curto prazo, a diminuição das operações de arbitragem está elevando o dólar. "Ninguém sabe até onde ele vai, pode chegar a até R$ 1,70", prevê.

Com preços altos em dólar e com a moeda americana em elevação e podendo atingir R$ 1,70, não tem como a alimentação dar um alívio para os índices de inflação, diz Mendonça de Barros. O foco de preocupação do impacto da valorização do dólar nas últimas semanas recai sobre a indústria. "Hoje, para indústria encarecer a importação, é um desastre", alerta o economista.

Como nos últimos tempos a indústria nacional foi comprimida pela grande competitividade dos importados, muitos deles vindos da China, uma alternativa de sobrevivência foi substituir a produção nacional pela importação de matérias-primas, partes e componentes. Em alguns casos, há fabricantes que deixaram de produzir localmente parte das linhas de eletroportáteis vendidos sob a sua marca e passaram a ser meros importadores de itens fabricados na Ásia.

"Hoje todo mundo está abraçado na importação. Ela é ameaça, mas também é a salvação", observa Mendonça de Barros. Por isso, a valorização do dólar em relação ao real começa a soar como mais um risco para o cumprimento da meta de inflação.