Título: Para analistas, R$ 1,70 é o novo patamar do dólar
Autor: Amorim, Daniela ; Assis, Francisco Carlos de
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/09/2011, Economia, p. B4

Desvalorização maior do real não está no radar por causa das commodities ainda em alta e do risco baixo da economia

A repentina valorização do dólar frente ao real reflete tanto a expectativa do mercado por juros menores no País, diante da nova política monetária do Banco Central, quanto a insegurança em relação à crise financeira na Europa, que tem fortalecido a moeda americana também frente ao euro. Apesar de o momento ainda ser de volatilidade, é possível que o dólar tenha encontrado novo e definitivo patamar, ao redor de R$ 1,70.

No entanto, analistas afirmam que não há espaço para uma desvalorização maior do real, em razão das commodities ainda fortes e da percepção de risco baixo da economia brasileira, o que atrai investimentos.

"A média dos preços de commodities ainda é alto. Isso sustenta o câmbio no Brasil, evita uma desvalorização maior. E o número impressionante de investimento direto estrangeiro, de US$ 70 bilhões de dólares até o fim do ano, bem acima do déficit de conta corrente. O Brasil está conseguindo financiar com facilidade seu déficit e as reservas vão continuar crescendo. Então, não vejo muito espaço para o câmbio se valorizar de forma acentuada, como em 2008 e 2009", disse Carlos Langoni, ex-diretor do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas.

Outra razão que poderia evitar uma queda mais brusca do real seria a ameaça do impacto da valorização do dólar sobre a inflação, levando o governo a agir para amenizar uma subida acentuada da moeda americana. "Permitir uma desvalorização cambial acentuada seria um tiro no pé em termos de inflação", completou o ex-diretor do BC.

Em duas semanas, o dólar acumulou uma sequência de dez dias consecutivos de alta, com uma valorização de 8,45%. Na última quarta-feira, a moeda americana no balcão atingiu a cotação de R$ 1,720, maior nível do ano.

Na sexta-feira, após cinco grandes bancos centrais (Federal Reserve, Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra, Banco do Japão e Banco Nacional da Suíça) anunciarem um acordo para aumentar a liquidez em dólares do sistema financeiro europeu, a moeda apresentou queda mais expressiva. A ação coordenada injetou algum otimismo ao mercado, fazendo o dólar perder força frente ao euro, mas, no Brasil, a moeda dos EUA ainda se sustentou acima de R$ 1,70.

Com base no cenário delineado para a inflação de setembro a novembro, analistas de mercado acreditam que o Banco Central terá de mudar o foco da avaliação de que a crise internacional, para o Brasil, será deflacionária. Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, a tese do BC e do Ministério da Fazenda pode estar equivocada porque a crise desta vez é diferente de 2008, marcada pela quebra do banco Lehman Brothers.

Daquela vez, lembra o economista, a crise se disseminou pelo mercado de crédito, que travou com a escassez da liquidez internacional. Isso levou a uma queda da demanda global, resultando na redução expressiva dos preços das commodities. Com os preços internacionais baixos, todo o aumento do dólar, de quase 55% na época, foi compensado.

"Desta vez, a crise não impactou o crédito e a China está aí, demandando commodities. Com o câmbio se apreciando e os preços das commodities subindo, talvez tenhamos uma pressão sobre os alimentos."

"(O dólar) vai se manter pelo menos em R$ 1,70, não tenho dúvida", afirmou o economista Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). "Não é ideal, mas é temporariamente aceitável, porque temos que olhar também o aspecto da inflação. O ideal seria entre R$ 2 e R$ 2,20, mas (R$ 1,70) é um patamar compatível com a nossa economia, para a indústria respirar um pouco mais aliviada e evitar uma enxurrada de importações baratas."

Se num primeiro momento o movimento dos BCs para garantir liquidez em dólares foi bem recebido, há quem veja a medida como uma reafirmação da complexidade do cenário de crise. "Esse acordo, em uma análise mais macro, é péssimo. É um sinal de problema de liquidez, as companhias começam a remeter de volta para a matriz para cobrir rombo e ainda assim o governo tem que injetar dinheiro. É muito similar a 2008, quando o dólar foi a R$ 2,40", avaliou Italo Abucater, gerente da mesa de dólar da corretora Icap Brasil.

Um dos gatilhos para a valorização acentuada do dólar foi a decisão do Banco Nacional da Suíça (SNB), no último dia 6, de estabelecer um piso para a cotação do euro em relação franco suíço: 1,20 franco para cada euro. Na prática, a Suíça acabou com a política de câmbio flutuante. "A atual sobrevalorização exagerada do franco suíço representa uma grave ameaça para a economia suíça e traz o risco de um desenvolvimento deflacionário", disse o SNB na época.

A decisão do BC suíço levou à alta do dólar ante o franco e acabou repercutindo também no iene, que caiu em relação à moeda americana. A duas moedas vinham atraindo investidores em busca de uma aposta mais segura em tempos de crise econômica.

No Brasil, agora com juros menores mas ainda com a taxa em patamar alto, os investimentos especulativos tornaram-se menos rentáveis, uma vez que o governo já tinha tomado medidas para tentar conter a lucratividade desse tipo de operação. "Com a cobrança de IOF mais a queda nos juros, o dólar vai ficar em torno de R$ 1,70", disse Abucater.