Título: O FMI enfrentará a Europa?
Autor: Marin, Denise Chrispim ; Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2011, Economia, p. B14

O Fundo deveria começar a pressionar intensamente por uma solução abrangente e crível para a crise da dívida na zona do euro

. No momento em que a crise na zona do euro se aprofunda, o Fundo Monetário Internacional (FMI) pode estar finalmente admitindo a necessidade de rever sua atitude. O recente apelo da nova diretora-gerente Christine Lagarde por uma recapitalização forçada do falimentar sistema bancário da Europa é um bom começo. A reação inflamada de autoridades europeias - os bancos estão ótimos, elas insistem, e só precisam de respaldo na questão da liquidez - deveria servir para reforçar a determinação do Fundo de se comportar de maneira sensata sobre a Europa.

Até agora, o Fundo apoiou obsequiosamente cada nova iniciativa europeia para resgatar a superendividada periferia da zona do euro, comprometendo mais de US$ 100 bilhões com Grécia, Portugal e Irlanda até agora. Infelizmente, o FMI está arriscando não só o dinheiro de seus sócios como, em última análise, sua própria credibilidade institucional.

Apenas um ano atrás, na reunião anual do FMI em Washington D. C., os altos escalões diziam a quem quisesse ouvir que o pânico todo sobre a dívida soberana europeia era uma tempestade em copo d"água. Usando apresentações em PowerPoint com títulos como "Default nas Economias Avançadas de Hoje: Desnecessário, Indesejável, e Improvável", o Fundo tentou convencer investidores de que a dívida da zona do euro era sólida como uma rocha.

Mesmo para a Grécia, o FMI argumentou, a dinâmica da dívida não era um problema sério graças ao crescimento e às reformas antecipadas, apesar da falha lógica evidente, a saber, que países como Grécia e Portugal enfrentam riscos de política e implementação mais parecidos com os de mercados emergentes que de economias de fato avançadas como Alemanha e Estados Unidos.

Com a deterioração da situação, era de se imaginar que o FMI indicaria suas crenças ao mercado, nas circunstâncias, adotando um tom mais cauteloso. Em vez disso, numa reunião intermediária do FMI em abril de 2011, um dirigente declarou que o Fundo agora considerava a problemática Espanha como um país central da zona do euro como a Alemanha, e não um país periférico como Grécia, Portugal ou Irlanda.

Evidentemente, a intenção era os investidores inferirem que, para todos os fins práticos, eles deviam considerar idênticas a dívida alemã e a espanhola - a velha arrogância da zona do euro. Minha própria reação sarcástica foi pensar, "Oh, agora o FMI acha que alguns países centrais da zona do euro estão em risco de default".

Trabalhei como economista-chefe do FMI de 2001 a 2003, estou familiarizado com a necessidade do Fundo de caminhar na corda bamba entre construir a confiança do investidor e sacudir autoridades econômicas complacentes. Mas uma coisa é ser circunspecto em meio a uma crise; outra, muito diferente, é dizer bobagem.

O antigo economista da escola de Chicago, George Stigler, teria descrito o papel do FMI na Europa como refletindo uma aguda "captura regulatória". Em termos simples, a Europa e os Estados Unidos controlam um poder excessivo no FMI, e seu pensamento é demasiado dominante. O que os líderes europeus mais querem receber do Fundo é empréstimos fáceis e forte respaldo retórico. Mas o que a Europa realmente necessita é do tipo de avaliação honesta e amor duro que o Fundo tradicionalmente ofereceu a seus outros clientes politicamente menos influentes.

O ponto cego do FMI no tratamento da Europa até agora só se deve em parte ao poder de voto europeu. Ele deriva também de uma mentalidade "nós" e "eles" que também permeia a pesquisa nas principais empresas de investimento de Wall Street. Analistas que trabalharam durante todas as suas vidas somente em economias avançadas aprenderam a apostar em coisas que estavam indo bem, porque nas duas décadas antes da crise, as coisas foram em geral bem - muito bem.

É por isso que, por exemplo, tantos continuam supondo que uma recuperação rápida normal está próxima. Mas a crise financeira deveria ter lembrado a todos de que a distinção entre economias avançadas e mercados emergentes não é uma linha vermelho viva.

Em seu último pronunciamento em Jackson Hole, Wyoming, Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se queixou de que a paralisia política possivelmente se tornou o principal empecilho à recuperação. Mas analistas acostumados com o funcionamento de mercados emergentes compreendem que essa paralisia é muito difícil de evitar depois de uma crise financeira.

Em vez de acreditar servilmente nas declarações tranquilizadoras de autoridades econômicas, os pesquisadores de mercado emergente aprenderam a ser cínicos sobre promessas oficiais. Com muita frequência, tudo que pode dar errado, dará errado.

O FMI precisa trazer muito mais desse tipo de ceticismo para sua avaliação da dinâmica da dívida na zona do euro, em vez de buscar constantemente suposições forçadas que fariam a dívida parecer sustentável. Quem olhar de perto para as complexas opções da Europa para se livrar da camisa de força da dívida deve perceber que os constrangimentos políticos serão um enorme obstáculo seja qual for o curso que a Europa escolher.

Mesmo fora da Europa, há muito que o FMI vem dando excessiva trela a governos existentes, em vez de se concentrar nos interesses de longo prazo do país e de seu povo. O Fundo não está fazendo nenhum favor ao povo da Europa ao não promover agressivamente uma solução mais realista, incluindo baixas contábeis dramáticas de dívida para países da periferia da zona do euro e a realocação para outros lugares das garantias de países centrais.

Agora que o Fundo admitiu francamente os enormes rombos de capital de muitos bancos europeus, ele deveria começar a pressionar intensamente por uma solução abrangente e crível para a crise da dívida na zona do euro, uma solução que envolverá ou uma ruptura parcial da zona do euro, ou uma reforma constitucional fundamental. O futuro da Europa, para não mencionar o futuro do FMI, depende disso. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

PROFESSOR DE ECONOMIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NA UNIVERSIDADE HARVARD E EX-ECONOMISTA-CHEFE DO FMI