Título: Economia mundial à procura de um líder
Autor: Marin, Denise Chrispim ; Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2011, Economia, p. B14

Do FMI ao Banco Mundial e ao G-20, instituições econômicas internacionais se omitem no debate e na busca de saídas para a crise

A ausência de crescimento econômico e de acordos políticos domésticos para evitar a recessão nos Estados Unidos e na Europa tem sido acompanhada por outra escassez: a de debate sobre a atual crise.

Ao contrário do que ocorreu em 2008 e 2009, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird) sofrem de uma inédita desmotivação na discussão interna de propostas e de cenários. Paralelamente, o G-20, que floresceu na crise anterior, agora está abandonado à sua burocracia e, paulatinamente, vai perdendo poder.

Segundo um economista do Fundo, nesta crise não se vê a circulação interna de textos de análise e os debates sobre as possíveis saídas e os cenários sobre os efeitos imediatos sobre a economia mundial. Conforme explicou um alto funcionário do Banco Mundial, essa apatia tem como raiz o fato de esta crise ser tratada pelos países envolvidos como um problema exclusivamente doméstico, a ser preservado de opiniões alheias. É, em especial, o comportamento dos EUA, da Alemanha e da França.

A principal mensagem do FMI na sua reunião de outono, nos próximos dias 23 e 24 de setembro, deverá ser escrita às vésperas, para não se tornar obsoleta logo ao ser divulgada. Seu conteúdo refletirá decisões nos EUA e na Europa de dias anteriores. Uma das principais será a adoção ou não de novas medidas monetárias de estímulo econômico pelo Federal Reserve (banco central dos EUA) no dia 21.

O comportamento da Europa em relação aos pacotes de renegociação da dívida de economias em risco de suspensão de pagamentos será outro fator considerado. As reações internas ao início do processo de privatização e de cortes de gastos públicos na Grécia, ao longo do mês, dará o claro sinal sobre os riscos de uma severa crise política.

Sem debate. Os protagonistas da crise, os Estados Unidos e a União Europeia, continuam fechados ao debate. "Se fizessem isso e achassem soluções, tudo bem. O problema é que eles não estão conseguindo", comentou o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Carlos Márcio Cozendey.

A ameaça de retração nas economias avançadas, pondera Cozendey, está longe de ser um problema só delas. "Todos sofrem com a economia do mundo mais lenta, mesmo o Brasil, para quem o comércio exterior não corresponde a uma proporção muito grande da economia", afirmou. "Em qualquer cenário, é preciso levar em conta as sucessivas revisões negativas que o FMI vem fazendo", disse, referindo-se às projeções para o crescimento econômico mundial.

Não por acaso, os países ricos serão pressionados a se abrir ao debate sobre suas dificuldades no encontro do FMI e do Banco Mundial, em Washington. O Fundo pretende reformar seu mandato de vigilância sobre os países-membros, mesmo os que não recorreram a seus empréstimos. Ou seja, quer mais poder para interferir nas decisões de política econômica de seus sócios, sob o argumento do risco de contaminação da economia mundial. A crise atual e suas implicações deverão ser o tema central do relatório que será apresentado durante o encontro.

Na mesma linha, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) farão uma reunião paralela à do FMI e do Bird, também em Washington, na qual pretendem mandar o seguinte recado aos países ricos: os emergentes estão fazendo sua parte para manter a expansão mundial, mas é preciso que os desenvolvidos debatam as soluções para a crise. Os emergentes acreditam ter mais contribuições a dar no processo de retomada da atividade econômica.

Deprimido. A disposição de europeus e americanos em debater com os Brics, porém, é nula. Os EUA e os países da zona do euro não levaram a crise para ser discutida no G-20, grupo das maiores economias desenvolvidas e emergentes, hoje deprimido. Em teoria, esse foro deveria funcionar como um centro de troca de ideias sobre a condução da economia, num esquema no qual um país pode analisar o desempenho de seus sócios e sugerir soluções.

O próprio Fundo, na reunião de primavera deste ano, alertou sobre a paralisia desse foro, muito ativo em 2008 e 2009. Formalmente, o processo de debate continua existindo. Mas, no momento, os países têm se limitado a preencher questionários sobre suas próprias economias e a aguardar os relatórios do FMI.

"Temo que o G-20 esteja se burocratizando", observou Cozendey. "Esse espaço para examinar as políticas uns dos outros não está sendo criado."

Cozendey pondera ter sido a crise de 2008 e 2009 "mais aguda, com desdobramentos mais rápidos e extremos". Uma autoridade do Banco Mundial concorda com essa avaliação. Nos EUA, a instabilidade tem um forte componente de política doméstica, observado com clareza nos últimos dois meses. A disputa eleitoral entre republicanos e democratas levou ao risco da primeira declaração de suspensão de pagamentos pelo país e provocou o rebaixamento da nota dos seus títulos soberanos.

Na Europa, predomina a ideia das soluções caseiras para evitar a quebra dos membros da zona do euro. Crítica dessas receitas, a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, "mostrou os dentes" em um encontro de mais de 100 presidentes de bancos centrais em Jackson Hole, no Estado americano de Wyoming, nos últimos dias 27 e 28.

Lagarde, nas entrelinhas, convocou os líderes dos países desenvolvidos a fazer mais e melhor para evitar o aprofundamento da crise - como a recapitalização de bancos europeus e um "agressivo" programa de redução da dívida hipotecária dos americanos. Sobretudo, insistiu na prioridade às medidas para a geração de empregos e o estímulo ao consumo, sem o abandono das metas de redução do déficit fiscal em longo prazo. Porém, assim como advertências anteriores de seu colega Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, as de Lagarde tenderão a ser apenas registradas.

Sem debate

CARLOS M. COZENDEY SECRETÁRIO DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

"Se fizessem isso e achassem soluções, tudo bem. O problema é que não estão conseguindo."