Título: FMI vê risco na expansão de crédito
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2011, Economia, p. B9

Fundo Monetário alerta países emergentes; estimativa de risco dos bancos europeus indica perda potencial de até ¿ 300 bilhões

Um agravamento da crise na zona do euro poderá custar até R$ 300 bilhões aos bancos europeus e afetar também o sistema bancário do Brasil e de outros emergentes, advertiu o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O crédito em rápida expansão é um fator de risco para os bancos da América Latina e da Ásia, especialmente diante da possibilidade de choques externos e de uma fuga de capitais, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira divulgado ontem. Enquanto o documento era divulgado em Washington, o risco de uma alteração das expectativas era ilustrado na prática, mais uma vez, com a forte valorização do dólar no mercado brasileiro.

"Estamos de volta à zona de perigo", disse o chefe do setor financeiro do Fundo, José Viñals, ao apresentar o relatório. As condições pioraram desde a edição anterior, em abril, e os progressos dos últimos três anos foram anulados.

A desaceleração da economia mundial, a turbulência nos mercados europeus e o rebaixamento da classificação dos EUA foram alguns dos choques acumulados nesse período. O mundo avança, portanto, no quinto ano da crise, iniciada em 2007, quando surgiram os primeiros sinais de estouro da bolha de crédito.

Há nos mercados nova crise de confiança, alimentada em grande parte pela incapacidade dos governos da Europa e dos EUA de conseguir apoio para as medidas necessárias, observou Viñals. Falta arrumar tanto as contas públicas quanto as dos bancos, segundo o economista.

"As autoridades deveriam mudar o foco, deixando de tratar apenas os sintomas da crise para cuidar de vez por todas das suas causas. Nas economias avançadas, o mais importante é agir de forma decidida e rápida para resolver a atual crise de confiança", acrescentou. Quanto aos bancos, alguns poderão ter dificuldade para levantar dinheiro e, nesse caso, provavelmente deverão recorrer a recursos públicos para reforço de capital.

A equipe do setor financeiro estimou as perdas potenciais dos bancos envolvidos com a dívida pública europeia. Do epicentro da crise, a Grécia, partiram quatro ondas de contágio. A primeira criou riscos avaliados em ¿ 60 bilhões. A segunda elevou as perdas potenciais a ¿ 80 bilhões, com a inclusão dos perigos associados às dívidas da Irlanda e de Portugal. A terceira incorporou as pressões dos mercados sobre os Tesouros da Bélgica, da Itália e da Espanha, ampliando o efeito para ¿ 200 bilhões. Com a quarta onda, veio a depreciação dos ativos de bancos mais expostos ao risco de crédito soberano. Com o aumento do risco nas operações interbancárias, chega-se ao total de ¿ 300 bilhões de contágio.

Essa é apenas uma estimativa de perdas possíveis, baseada em avaliações de risco do mercado. Um cálculo do reforço de capital necessário aos bancos envolveria outros dados contábeis, advertem os autores do trabalho.

Apesar do agravamento da crise, o FMI continua descartando a hipótese de um abandono do euro pela Grécia. Essa possibilidade está fora de todos os cenários analisados, segundo Viñals, assim como o risco de um calote desordenado da dívida grega.

Uma piora da situação europeia poderá prejudicar o crescimento dos emergentes, alterar os preços do comércio internacional e aumentar os custos de financiamento, com efeitos sobre a solidez dos bancos dos países emergentes.

O crédito ao setor privado aumentou 25,5% no Brasil em 2010. O aumento só foi maior na Turquia e na Índia, numa lista de 20 emergentes, segundo o relatório. A expansão dos financiamentos continua acelerada, embora tenha perdido impulso. Nos 12 meses até julho, o saldo dos empréstimos aumentou 19,8%, segundo o Banco Central (BC).

O FMI já havia alertado, mais de uma vez, para os perigos do crescimento acelerado do crédito. No Brasil, o crédito ao setor privado ainda corresponde a apenas 47,3% do PIB. A proporção praticamente dobrou desde 2003. Continua menor que nos países desenvolvidos e em algumas economias em desenvolvimento, mas a expansão tem sido muito veloz, como indicam as comparações internacionais.

O risco de problemas no setor financeiro é bem maior na China do que na maioria dos outros emergentes, segundo o relatório. Em outros países, como Brasil e Turquia, a qualidade do crédito parece elevada, mas a rápida expansão, "especialmente para as famílias", impõe um desafio à estabilidade futura, de acordo com o documento. Cabe aos governos desses países adotar medidas preventivas diante do risco de novos choques.