Título: A Alemanha e o impasse europeu
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/09/2011, Notas e informações, p. A3

Vencer a crise de confiança é o desafio imediato para os governos do mundo rico - uma condição indispensável para se afastar o risco de uma nova recessão nas economias mais avançadas. A Alemanha poderá dar um passo importante para a superação do problema, nesta semana, se o seu Parlamento aprovar a reforma da Linha Europeia de Estabilidade Financeira, proposta em julho na conferência de cúpula dos 17 países do euro. Outros Parlamentos serão estimulados a seguir o mesmo caminho, se o novo modelo do fundo for ratificado pela maior economia europeia. A Europa, nesse caso, passará a dispor de um instrumento mais flexível e poderoso para socorrer os países atolados na crise da dívida pública e também para ajudar na capitalização dos bancos em situação de risco.

O fundo foi criado em 2010, com recursos previstos de 440 bilhões, mas com pouca flexibilidade para atuar. Em julho, chefes de governo da zona do euro propuseram uma ampla reforma para tornar mais eficaz esse instrumento. Foi prevista, por exemplo, a possibilidade de socorro a governos em dificuldades mesmo antes da formalização de programas de ajuda financeira vinculados a programas de ajuste fiscal.

A reforma só entrará em vigor, no entanto, depois de ratificada pelos Parlamentos dos 17 países da união monetária. Até agora só cinco países completaram essa etapa. Na Alemanha, tem havido resistência política à proposta. O jogo será virado muito mais facilmente se o Parlamento alemão ratificar a mudança. Os governos da zona do euro estão empenhados em obter a aprovação em todos os países até 14 de outubro.

Ao mesmo tempo, esses governos têm de correr para evitar o agravamento da situação na Grécia. Sem a liberação da sexta parcela do financiamento negociado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o FMI, o Tesouro grego será incapaz de pagar as dívidas com vencimento no próximo mês.

Mas a liberação do dinheiro depende da revisão da política de ajuste adotada na Grécia. Se o resultado for negativo, ou se as autoridades gregas forem incapazes de apresentar um plano de ação digno de confiança, a ajuda será interrompida. Este é, pelo menos, o quadro oficialmente apresentado pelas autoridades da união monetária e do FMI.

Mas o quadro real é muito mais complicado. Na prática, não se trata de só manter ou abandonar o programa de auxílio, como se se tratasse de uma decisão técnica. Se a ajuda for interrompida, o governo grego será forçado ao calote. O calote poderá ser desordenado, com péssimas consequências para os bancos e para outros países com dívida pública muito alta, ou razoavelmente organizado. Neste caso, os credores deverão assumir certas perdas, mas haverá uma possibilidade maior de limitação dos estragos. Em tese, pelo menos, é possível conceber essa alternativa.

Nos mercados, a conversa sobre a hipótese de uma moratória ordenada continuou nos últimos dias. Oficialmente, as autoridades gregas continuam negando qualquer procedimento nessa direção. Governos da zona do euro e do FMI também têm contestado essas versões. Mas o assunto continua na pauta.

Quanto mais demorada a articulação de novas ações contra a crise das dívidas soberanas, maior o risco de um desastre. Se a pequena Grécia quebrar, ondas de choque se difundirão pelos mercados, atingindo os bancos e economias muito maiores. Itália a Espanha já foram atingidas, nas últimas semanas, por movimentos especulativos.

Ontem as principais bolsas europeias fecharam em alta. O humor melhorou, segundo analistas, graças à expectativa de aprovação da reforma do fundo de estabilidade e de um corte dos juros básicos pelo BCE. Ninguém deve iludir-se com esse aparente surto de otimismo. O humor nos mercados muda rapidamente, e mudará para pior, se as autoridades europeias continuarem incapazes de novas e mais firmes ações contra a crise. O Parlamento alemão poderá dar o primeiro lance para romper o impasse.