Título: Avaliação do ensino superior, triste realidade
Autor: Garcia, Maurício
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2011, Espaço aberto, p. A2

Conforme noticiado pelo Estado (13/9), os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostraram que as escolas públicas de ensino médio, mais uma vez, ficaram no fim da fila. Diante dos maus resultados, o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou: "Às vezes, condições socioeconômicas explicam mais o resultado da escola que o trabalho do professor". A afirmação encontra respaldo nos pesquisadores em educação, que destacam a importância que tem um ambiente familiar mais escolarizado no desenvolvimento educacional dos jovens.

Com isso, ocorre no Brasil um grave paradoxo educacional, em que os alunos das famílias mais ricas, que estudaram em escolas particulares, entram nas instituições públicas, enquanto os oriundos das camadas mais pobres, que estudaram em escolas públicas, vão para as instituições particulares, já que não conseguem vencer a disputa do vestibular. Além disso, os primeiros estudam de graça, enquanto os segundos têm de pagar a sua mensalidade. O sistema não poderia ser mais cruel.

Dessa forma, é totalmente esperado que esse impacto socioeconômico ocorra também na educação superior, ou seja, é natural que as universidades públicas, por receberem alunos com melhor formação, tenham desempenho melhor que as instituições privadas, que recebem os menos afortunados, ainda que existam algumas poucas faculdades e universidades particulares de elite.

E a diferença não está apenas na bagagem intelectual do aluno. De acordo com os dados do Inep/Ministério da Educação (MEC), 72% dos alunos da rede privada de educação superior estudam à noite, enquanto 62% da rede pública estudam de dia. Não há como esperar o mesmo desempenho acadêmico de pessoas que passam o dia todo trabalhando duro e precisam estender sua jornada até tarde para estudar, comparando com os que não trabalham e apenas estudam.

Mas, ainda assim, quando se trata de avaliar a educação superior, o MEC não se vale da mesma explicação. As instituições mal avaliadas são punidas pelo governo com redução de vagas, fechamento de cursos e limitações na sua expansão. Ou seja, no ensino médio, as instituições (públicas) mal avaliadas são apoiadas para superar suas dificuldades, mas na educação superior as instituições (particulares) mal avaliadas são punidas e não recebem nenhum apoio.

Exemplo dessa incoerência está na recente divulgação pelo MEC das novas normas do BNDES, definindo que só podem ter acesso ao financiamento as instituições bem avaliadas. Não podem contar com o banco, assim, justamente as que mais precisam de apoio para fortalecer seus laboratórios e bibliotecas, mesmo considerando que não é dinheiro dado, é emprestado. O curioso é que para os demais segmentos da economia o BNDES não vincula o financiamento à posição que as empresas ocupam em rankings, basicamente considera a capacidade de a empresa honrar o pagamento da dívida.

Outro ponto a ser destacado é que o ranking divulgado pelo MEC não poderia sobrepor-se às visitas in loco das comissões de avaliadores, processo que ocorre com regularidade em todo o Brasil. Quando o MEC criou esse ranking (baseado em índices conhecidos como CPC e IGC), era para ser somente uma ferramenta de triagem, pois, como existem mais de 25 mil cursos superiores no Brasil, não dá para visitar todos. Seriam, então, visitados somente os mal avaliados.

Todavia, de um tempo para cá, o que era para ser preliminar se tornou definitivo e o MEC não aguarda mais os resultados das visitas in loco, impondo antecipadamente diversos tipos de limitações e punições, com base apenas no resultado do ranking. O MEC alega que se trata de uma "ação cautelar", mas o punido não tem direito a defesa nem recurso na esfera administrativa. Não há sequer uma advertência prévia, com tempo para a instituição sanar suas limitações. Resta-lhe somente a longa estrada judicial.

Além disso, os critérios de avaliação do ranking do CPC/IGC são mais rigorosos do que o exigido pelas diversas leis aprovadas no Congresso Nacional. Por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei n.º 9.394/96) define que as universidades devem ter um terço do corpo docente com título de mestre ou doutor. Mas há inúmeros casos de cursos que cumprem tal proporção, mas ficam com nota insuficiente nesse requisito no ranking. Ou seja, várias instituições que estão 100% dentro da conformidade legal passaram a ser punidas pelo MEC, que passou a legislar por meio de resoluções, portarias e notas técnicas, o mesmo expediente adotado pelo governo federal via medidas provisórias, tão criticadas pelos defensores da separação dos papéis do Executivo e do Parlamento.

Não existe nada errado em serem punidas instituições que não têm seriedade nos seus compromissos educacionais. Ninguém pode ser contra isso. Mas a regra precisa ter respaldo nas leis do Parlamento e tem de valer de forma igual para qualquer tipo de instituição, seja ela pública ou privada. Nenhuma instituição pública de educação superior mal avaliada teve redução de vagas ou qualquer outra limitação. Segundo o MEC, elas têm "rito próprio". Todas as restrições, sanções e punições mencionadas se aplicam exclusivamente ao setor privado.

Para o setor privado criar uma universidade são necessários mais de 15 anos de investimentos e o cumprimento de uma série de normas. Para o setor público basta uma canetada da Presidência.

Queixas como essa facilmente são interpretadas como tentativas das instituições particulares de se furtarem a seus compromissos com a qualidade, o que não é verdade. O desejo é mostrar que por trás do discurso fácil da busca pela qualidade e de chavões como "educação não é mercadoria" muitas vezes se ocultam posições anacrônicas, que nunca se conformaram em ver a iniciativa privada ter a presença de destaque que tem hoje na educação superior brasileira.