Título: Recuperação de ferrovias
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2011, Notas e informações, p. A3

O governo tem planos ambiciosos para o setor ferroviário, sendo previstos, na segunda etapa do PAC, investimentos da ordem de R$ 43,9 bilhões, entre 2011 e 2014, para a expansão da malha em mais de 4,5 mil km e para a construção de linhas de bitola larga. São obras viáveis, algumas já em andamento ou em estágio de planejamento, como a extensão da Ferronorte e da Ferrovia Norte-Sul, a conclusão da Transnordestina, o Ferroanel de São Paulo e a Ferroeste. Se haverá recursos ou financiamentos para levar a termo todas essas obras nos prazos previsto é uma questão em aberto. Além desse desafio, o País enfrenta outro: como recuperar milhares de quilômetros de estradas de ferro construídos no século 19 e no início do século 20, mas que, abandonados durante décadas, são hoje praticamente inúteis ou subutilizados.

Segundo o diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, dos 28 mil km de estradas de ferro em funcionamento no País, dois terços não estão em boas condições de tráfego. Esta foi uma das motivações do novo marco regulatório do setor, em vigor desde julho deste ano. Além do direito de passagem de trens de uma companhia pelas linhas de outra, cuja inexistência constituía um dos empecilhos ao transporte ferroviário no País, foram estabelecidas metas que devem ser cumpridas pelas concessionárias, que agora têm de recuperar os ramais abandonados ou devolvê-los ao governo.

Segundo Figueiredo, a desativação de tantos quilômetros não ocorreu por culpa das concessionárias, mas em razão do modelo adotado na privatização, que não exigia que as companhias operassem a totalidade da malha que passaram a administrar. As companhias pagam entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões por ano pelas concessões, mas só investem se lhes for economicamente proveitoso. Agora, será diferente. Não estando as empresas interessadas em alguns trechos, devem devolvê-los ao governo, que pode promover nova licitação, mantê-los inativos ou dar-lhes outra destinação.

Isso levou as concessionárias a apresentarem recentemente projetos para a recuperação de 27 trechos, numa extensão de 5.500 quilômetros. Sobraram 6 trechos, de 1.700 km, o que parece muito. Cada concessionária tem razões específicas para não investir em determinado trecho, mas, em geral, falta motivação econômica. É preciso considerar também que, em algumas áreas, os dormentes apodreceram ou foram roubados, os trilhos praticamente sumiram, cobertos de terra ou de vegetação, e muitas estações foram destruídas, dilapidadas ou invadidas. Somente em poucos municípios as velhas estações foram preservadas como museus ou transformadas em prédios públicos. E alguns pequenos ramais são mantidos pelas prefeituras, com apoio dos governos estaduais, para pequenas viagens turísticas.

Na realidade, recuperar significa, muitas vezes ter de reconstruir. Isso só vale a pena quando existe interesse econômico. É o caso do ramal de 131 km entre Pradópolis e Colina, no oeste do Estado de São Paulo, que vai ser reconstruído pela concessionária, em parceria com uma trading, para suportar o tráfego de trens de até 80 vagões de 100 toneladas. O ramal, que só servia a uma usina de açúcar, fará a ligação com a linha tronco da concessionária até o Porto de Santos, possibilitando o escoamento da produção de até 4 milhões de toneladas de açúcar por ano. O frete compensa e tende a ser barateado com o aumento do transporte de mercadorias, como fertilizantes, nas viagens de retorno.

Alguns avanços têm sido feitos, mas o País está ainda muito longe de ter "ressuscitado" esse setor, como se chegou a afirmar no lançamento do Plano de Revitalização das Ferrovias, no fim de 2010. O Plano também dá ênfase ao transporte de passageiros, mas casos como a suspensão do projeto de ligação ferroviária entre o centro de São Paulo e o Aeroporto de Guarulhos mostram que uma coisa é planejar e outra, muito diferente, é tirar o projeto do papel.