Título: Sucesso da venda de commodities prejudica indústria
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2011, Economia, p. B1

Para o economista Samuel Pessôa, exportação de alimentos e minérios garante equilíbrio externo mesmo com câmbio desfavorável

A indústria brasileira é vítima do sucesso do País como exportador de commodities alimentares e minerais (e com a perspectiva do pré-sal), diz Samuel Pessôa, da consultoria Tendências. Na visão do economista, as receitas cambiais dos produtos da natureza garantem ao Brasil equilíbrio externo a uma taxa de câmbio punitiva para a indústria.

Além disso, o Brasil tem baixa poupança, o mesmo que ter alto consumo. O excesso de consumo e investimento pressiona a demanda por todos os bens, mas os produtos que podem ser exportados e importados, tipicamente os manufaturados, têm os preços contidos pela oferta externa. Assim, os custos locais, inclusive da mão de obra, sobem em relação aos produtos industriais, a expressão na economia real do câmbio valorizado.

A inflação de serviços, relacionada aos custos do País, acumula 8,9% em 12 meses. Já os produtos industriais duráveis, como automóveis e eletrônicos, itens importantes do comércio internacional, tiveram deflação de 0,58% em 12 meses. O contraste entre a evolução dos preços do setor e dos seus custos não poderia ser mais extremo.

A crise global é um problema adicional para a indústria, por diversas razões. Os emergentes, como a China, continuam embalados a fabricar produtos industriais, e boa parte destes não é absorvida pelos principais compradores, as economias ricas dos Estados Unidos, Europa e Japão, cada vez mais debilitadas. A sobra de produtos derruba ainda mais os preços, e torna os produtores orientais, como a China, mais invasivos na tentativa de conquistar novos mercados - inclusive o brasileiro.

Simultaneamente, os países ricos, e especialmente os Estados Unidos, injetam montanhas de dinheiro em suas economias, tentando impulsioná-las. Esses recursos vazam para o mercado internacional, e criam uma imensa liquidez que se transforma em fluxos de capital que valorizam as moedas emergentes.

A China, que controla seu câmbio num nível desvalorizado, é pouca afetada. O Brasil, cujos altíssimos juros são especialmente apetitosos para investidores dos países ricos às voltas com taxas próximas de zero, é um dos que sofrem maior impacto.

Apesar de ser conjuntural, ligada à crise econômica internacional, essa situação pode ter longa duração. "Vai durar pelos menos uns dois ou três anos", prevê Pessôa, também ligado ao Instituto Brasileiro de Economia (Ibre).

Já o consultor Ernani Torres, até pouco tempo superintendente da área de pesquisa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está muito preocupado: "A ideia de que, como países ricos na Europa e como os Estados Unidos, nós vamos sofrer uma desindustrialização é uma tentativa de racionalizar um processo que não é desejável", ele diz.

Torres nota que a indústria brasileira também passou por estagnação estrutural nos anos 90, com o impacto da abertura e o mau desempenho da economia.

A partir de 2003 e 2004, o câmbio desvalorizado e a retomada do crescimento fizeram a indústria voltar a se expandir, processo interrompido na crise global, que levou à violenta queda em 2009. Depois, a indústria voltou ao nível de 2008, e nele ficou.

Torres preocupa-se com sinais de redução do investimento na indústria. Para ele, isso está ligado ao câmbio, mas também a perspectivas menores de crescimento econômico.

Como os ricos

ERNANI TORRES CONSULTOR

"A ideia de que, como países ricos na Europa e como os Estados Unidos, nós vamos sofrer uma desindustrialização é uma tentativa de racionalizar um processo que não é desejável."

JOÃO FURTADO PROFESSOR DA USP

"Os maiores projetos químicos de empresas brasileiras hoje estão no exterior, porque é preferível produzir lá fora, até mesmo para vender no Brasil."