Título: Moisés quer fugir: Vou aloprar tudo aqui
Autor: Vieira, Márcia
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2011, Metrópole, p. C8

Moisés (nome fictício) é negro, gordinho e baixinho para os seus 13 anos. Ainda chupa o dedo quando está muito triste. Nasceu no Complexo do Alemão, mas vive na rua desde os 8 anos, quando a mãe morreu. Já passou por vários abrigos. Fugiu de todos. A última vez em que foi pego estava no Largo do Machado. Desde 31 de maio, quando a prefeitura decretou a internação compulsória de menores usando crack nas ruas, ele vive no abrigo Casa Viva, em Laranjeiras. Na terça-feira, entrou na sala da direção furioso. "Eu vou fugir esta noite, eu vou aloprar tudo aqui." Moisés estava com raiva porque achava que não tinha recebido atenção da coordenadora da Secretaria de Assistência Social, Cláudia Castro, que acompanha sua saga há anos. O ataque de fúria piorou quando foi levado para o quarto por um educador, funcionário musculoso.

Por quase uma hora, Moisés gritou, esperneou e quebrou duas camas. Não ouviu os argumentos da psicóloga nem atendeu aos apelos da pediatra Cristiene Magalhães, recém-chegada ao abrigo. "Ele ficou com taquicardia, estava muito nervoso. Aí, tive de sedar." Cristiene não perdeu a calma. Em quatro dias de trabalho, aprendeu que é preciso paciência com os meninos. "Eles não têm o hábito de conversar. Não pedem as coisas, eles tomam. Um "não" para eles é como uma agressão. Mas, aos poucos, eles vão mudar."

Adriano, nome fictício, está há "cinco meses e um dia" no Ser Criança, em Pedra de Guaratiba. Tem 12 anos e desde os 7 foge de casa. "A droga me chamou." Jura que se for para casa com a mãe vai ficar de vez. ""Tô" aqui para me livrar do crack, da maconha e do pó." Falante, mostra nas costas a marca da surra que levou de um traficante. "Eu roubava, tia. Mas eu "se" arrependo. Vou estudar, ter uma bicicleta e carregar celular no short." Seu sonho é jogar no Flamengo, mas se não der, quer ser policial. "Aí eu entro nas favelas e mato os traficantes. Não pode matar, tia? Então tá bom, deixo aleijado."