Título: Ocidente se omite sobre direitos humanos no Irã
Autor: Coscelli, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2011, Internacional, p. A13

Segundo ativista iraniana, EUA e UE evitam questão do apedrejamento em nome de razões políticas e econômicas

A presidente do Comitê Internacional Contra o Apedrejamento, a iraniana Mina Ahadi, lidera campanhas contra as punições previstas nas leis islâmicas, caso de sua compatriota Sakineh Ashtiani, condenada à morte por adultério no Irã. Ao Estado, a ativista critica o Ocidente por demonstrar pouco interesse em discutir a situação dos direitos humanos nos países em que vigora a lei islâmica, mas mostra confiança de que as revoltas no mundo árabe trarão mudanças nessas práticas. A seguir, os trechos da entrevista:

O apedrejamento é encarado como parte da cultura islâmica?

O Islã surgiu como religião há séculos e sempre fez parte da vida dos países árabes e do Irã, mas esse é um problema mais recente. Há algumas gerações, as pessoas não viam essas punições no meu país. É um fenômeno novo, de "islamismo político", algo intimamente conectado à política que passou a interferir na vida dos iranianos com a Revolução de 1979.

Em que países, além do Irã, a aplicação dessas leis é mais dura?

Temos problemas assim no Sudão, na Somália, no Afeganistão, mas acho que a Arábia Saudita é um dos piores países no que diz respeito aos direitos das mulheres. Lá elas são proibidas de fazer qualquer coisa, as pessoas são decapitadas em praça pública e não ouvimos nenhum protesto internacional.

O apoio do Ocidente é um fator que contribuiu com o início desses protestos?

Talvez isso tenha algum peso. Mesmo sobre os casos iranianos pouco se falava até recentemente. Os Estados Unidos, por exemplo, não são aliados de Mahmoud Ahmadinejad e também não tocavam no assunto dos direitos humanos até que o caso de Sakineh Ashtiani ganhou dimensões mundiais. Só há interesse em falar sobre a questão nuclear com o governo iraniano. Alguém já ouviu algum protesto de Bill Clinton ou de outros presidentes anteriores sobre o apedrejamento? Ninguém nunca se manifestou.

Então não há interesse do Ocidente em tratar da questão dos direitos humanos?

Falei com líderes europeus, com a ONU, com o Parlamento Europeu e sempre vi pouquíssimo interesse. O que vi nos últimos 20, 30 anos é que os interesses econômicos são os mais importantes nessas relações. Todos concordam que são práticas muito ruins, mas parece que fazem vista grossa para o problema. Pensam que é algo normal por se tratar de um país islâmico, mas esse relativismo cultural é problemático, pois mostra uma mentalidade de que os direitos humanos não são universais, eles dependem de onde você vem.

A primavera árabe vai ter algum efeito sobre o direitos das mulheres nesses países?

Depende. Resta saber se os novos líderes serão seculares ou fundamentalistas. É importante começarmos um movimento internacional para que grupos que apoiem os direitos humanos em geral cheguem ao poder na Líbia, no Egito e nos outros países. Sempre tive esperança de que essa luta começaria.