Título: Polícia boliviana ameaça se amotinar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2011, Internacional, p. A23

Oficiais exigem participar de investigação da repressão à marcha indígena e temem ser únicos responsabilizados pela ação violenta

Representantes dos policiais que atuaram na repressão da marcha indígena no fim de semana exigiram ontem participar da comissão que investigará o ataque. Eles ameaçaram ainda promover um motim caso os soldados envolvidos na operação militar sejam processados, já que afirmam que cumpriram ordens superiores. A marcha, suspensa após o confronto, deve ser retomada amanhã.

O vice-presidente boliviano, Álvaro García, insiste que o governo não ordenou a intervenção contra os manifestantes. Eles protestam contra a construção de uma estrada numa reserva indígena, cuja execução do projeto é de responsabilidade da construtora brasileira OAS, com recursos do BNDES.

Em declarações ao jornal boliviano La Razón, o presidente da associação de policiais reformados, Juan Carlos Zaraide, afirmou que existe hoje um estado de emergência nacional pelo risco de motins e greves de fome, caso os policiais sejam processados pela repressão. A Federação Nacional de Mulheres de Policiais também levantou a possibilidade de motim caso "um único policial seja processado".

Um dos 450 policiais que participaram do ataque contra os índios criticou a posição do governo. "É lamentável, porque o governo nos pede para cumprir uma ordem e agora quer nos processar", afirmou.

Um documento apresentado por líderes indígenas mostra que a polícia boliviana planejou a repressão aos manifestantes. Ele aponta o horário previsto para a operação (17h40 de domingo em La Paz), o número de manifestantes que deveria ser retirado do local do piquete indígena (entre 350 e 400) e os policiais que seriam responsáveis por atuar em cada um dos dez ônibus que transportavam os índios.

"Enviar a polícia contra indígenas é um símbolo muito forte. Os manifestantes ganharam a batalha simbólica", afirmou o analista político Hervé do Alto, especialista em temas sobre o MAS, partido de Evo Morales.

Marcha. Ontem, os manifestantes indígenas preparavam-se para retomar a caminhada até La Paz. Eles começaram a se reunir em Quiquibey, cidade mais à frente da região de Yucumo, onde houve o confronto com a polícia. O grupo planeja iniciar a marcha amanhã.

Os indígenas ainda rejeitaram a proposta de referendo nos Departamentos de Beni e Cochabamba sobre a construção da estrada que ligará as duas regiões passando pelo Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Secure (Tipnis), onde vivem três comunidades indígenas. O grupo afirma que não aceitará a construção da rodovia, independentemente da realização do plebiscito.

Ontem, os líderes indígenas confirmaram que ninguém morreu nos confrontos com a polícia no fim de semana. Religiosos bolivianos afirmavam que uma criança teria morrido na repressão policial. / EFE e AFP