Título: Disputa com Israel atrapalha metas turcas
Autor: Science, Christian
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2011, Internacional, p. A18

País quer tirar de Arábia Saudita e Egito protagonismo no Oriente Médio, mas já não pode mediar questão palestina

Se perguntarem qual é o mais importante país muçulmano do Oriente Médio, muitos americanos talvez citem a Arábia Saudita, pelo petróleo.

Alguns sugeririam talvez o Egito, porque é o coração do mundo árabe. Mas o fato é que a Turquia, talvez pelas memórias das passadas glórias otomanas, parece ansiosa por se tornar o líder mais influente no Oriente Médio como um todo, e poderá ultrapassar a Arábia Saudita e o Egito em importância regional.

Alguns deduziram que a Turquia, um país muçulmano, mas não árabe, com a imagem de islâmico mais moderado, poderá se tornar um contraponto construtivo dos islamistas radicais da região. Particularmente, poderá servir de contrapeso ao Irã, que já aspira ao domínio regional.

Portanto a Turquia ficaria ao lado da Indonésia, outro grande país muçulmano não árabe, como exemplo de um impressionante conceito de Estado islâmico moderado. Embora no passado a Turquia tenha olhado para o Ocidente, nos últimos anos expandiu seus contatos e influência a leste para o Oriente Médio.

No meio do levante da primavera árabe, seu primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, foi em geral bem recebido como um paladino da democracia em países agora livres, quando denunciava energicamente a brutalidade que ocorria na Síria.

Com o Irã ele manteve uma difícil relação, por um lado tentando protegê-lo de sanções mais rigorosas do Ocidente, e simultaneamente aprovando a instalação na Turquia de um escudo antimísseis da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) voltado para o Irã. O que também pareceu posicionar a Turquia como possível mediadora para ajudar a solucionar problemas num dos conflitos mais insolúveis da região, a questão do Estado palestino, foi uma associação amistosa com Israel, inclusive relações diplomáticas raras entre um Estado islâmico e um Estado judeu.

Nos últimos meses, este relacionamento ficou seriamente abalado. A Turquia expulsou o embaixador israelense. A esperança de que a Turquia pudesse ser um interlocutor útil entre Israel e os palestinos agora parece remota.

A Turquia trava uma incômoda luta diplomática com o Estado judeu, apresentando uma lista de queixas que poderão levar a um confronto naval. Os turcos tentaram romper o bloqueio marítimo israelense da Faixa de Gaza palestina, e Ancara ameaça usar navios de guerra para assegurar a passagem livre da ajuda à faixa costeira.

Tudo isto não poderia ocorrer em um momento menos oportuno para o presidente americano. Ele se encontra no meio de uma campanha para a reeleição na qual o apoio e o financiamento dos judeus americanos são cruciais. Sua recusa a apoiar o pedido palestino de um voto para a criação do seu Estado na ONU, e seu obstinado apoio a Israel durante a proposta na ONU, ameaçam consideravelmente sua posição no mundo islâmico.

Na Turquia - e no Cairo - no início de sua presidência, Obama pronunciou discursos históricos ao mundo islâmico. A crítica feita desde então pelas capitais islâmicas é que não houve nenhum avanço real. Agora, opondo-se à solicitação dos palestinos à ONU de reconhecimento do seu Estado, e com o compromisso de continuar sendo o defensor de Israel num ano eleitoral, sua popularidade nas capitais árabes muito provavelmente não melhorará.

O presidente Obama compreende perfeitamente a importância potencial da Turquia e dos seus 77 milhões de habitantes. Entre os poucos líderes mundiais que Obama tinha em sua agenda para um encontro durante a sessão da Assembleia-Geral da ONU este ano, em Nova York, Erdogan foi um deles. Ele recebeu uma longa e sincera solicitação de Obama para que ajudasse a esfriar o confronto com Israel.

A Turquia pode ser independente. Ela resistiu aos apelos do então presidente George W. Bush para permitir que as tropas americanas transitassem pelo território turco em 2003 para abrir uma segunda frente na guerra do Iraque. Talvez não se deixe facilmente persuadir por Obama a abandonar sua posição intransigente quanto a Israel, que agrada a todo o mundo árabe.

É uma pena. Erdogan deve ser elogiado por promover a fusão em seu país do Islã com a democracia como exemplo a ser seguido pelos países árabes que saem agora da ditadura. Mas seria triste - e possivelmente perigoso - se a postura da Turquia em relação a Israel a privasse de um papel construtivo para concluir um acordo de paz entre israelenses e palestinos. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA